Cotidiano

Inep nega que questão do Enem esteja incorreta

questao.jpg RIO- O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) negou que a questão 13 da prova branca do Enem (33 na amarela, 36 na rosa e 27 na azul) esteja incorreta. De acordo com o Inep, a resposta apenas sintetizava o conteúdo, o que não quer dizer que a alternativa estivesse errada.

O historiador Fábio Koifman em entrevista ao portal G1 afirmou que o exercício, que abordava a política migratória do Brasil em relação aos judeus durante o Estado Novo, não tinha nenhuma alternativa correta, o que poderia dar margem para que estudantes contestassem a questão. Segundo ele, a resposta correta (letra E) confundia antissemitismo com nazismo.

Na pergunta, após ler um texto sobre o período em que o Brasil passou a negar vistos para judeus durante o Estado Novo, o candidato deveria responder qual seria uma razão para adoção desta política de migração pelo estado brasileiro. A resposta correta trazia a afirmação “simpatia de membros da burocracia pelo projeto totalitário alemão”. O historiador Fábio Koifman argumenta que a simpatia dos funcionários do governo não foi ao “projeto totalitário alemão” e sim ao antissemitismo.

O Inep afirma que “um instrumento avaliativo padronizado aplicado em larga escala pode exigir na construção das questões algum tipo de síntese ou esquematização de conteúdos, a depender do perfil do respondente”. O Inep argumenta ainda que responder a questão somente com o argumento antissemita não daria conta do conteúdo, já que na época membros do governo afirmaram publicamente simpatia pelo projeto alemão, entre outros fatores.

O órgão diz ainda que “a questão deve estar correta do ponto de vista das pesquisas acadêmicas, mas deve ser, ao mesmo tempo, compreensível para o estudante concluinte do Ensino Médio.”

Leia na íntegra a explicação do Inep:

A questão 13 da prova branca aborda a política imigratória do Estado brasileiro relativa aos judeus, na década de 1930. O Texto-base da questão evidencia algumas restrições e percalços a que foram expostos no Brasil indivíduos que fugiam de países onde prevaleciam perseguições e extermínio de populações semitas. O enunciado da questão indaga o respondente sobre uma das causas da ocorrência, nesse contexto específico, de tais medidas e dificuldades. O gabarito, alternativa ?E?, relaciona esse processo à aproximação de setores da alta cúpula do governo Vargas com a perspectiva política alemã durante a emergência do nazismo. A narrativa na qual se baseia o gabarito é que a estruturação do regime nazista teve como uma de suas ideologias motrizes o antissemitismo. Esse ideário exerceu certa influência sobre setores do governo Vargas, assim como o modelo de partido único, as concepções administrativas centralizadoras, o anti-liberalismo, o controle sobre a imprensa, o uso da propaganda política de massa e a valorização do carisma, por meio do culto à personalidade do chefe da nação.

É certo que o antissemitismo teve raízes mais profundas e disseminadas que as ideologias totalitária e fascista e parece ser este o principal elemento destacado na crítica à questão. Desde o final do século XIX, vários cientistas, intelectuais e lideranças políticas em países de democracia liberal, como os Estados Unidos, por exemplo, formularam teorias e políticas de melhoramento racial que previam deportações ou restrições à entrada de judeus. Porém, os chamados eugenistas também previam medidas similares relacionadas aos ciganos; nutriam concepções negativas quanto as chamadas raças amarelas (orientais), e pregavam a esterilização de afro-americanos.

A Eugenia cobria um espectro de classificações e discursos mais amplos que o antissemitismo. Tais concepções não são sinônimas e o antissemitismo é algo muito mais antigo do que a Eugenia. No Ocidente, o antissemitismo, antes disso, se revestiu de componentes religiosos. Ao longo de séculos, a discriminação e a perseguição aos judeus foi parte de discursos oficiais e da ação inquisitória da Igreja Católica na Europa e nas Américas. Mas, mesmo na época de maior afirmação das ideologias raciais e nacionalistas, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, é preciso destacar o quanto o antissemitismo foi abastecido por outra forte ideologia: o anticomunismo. Nos Estados Unidos e em vários países que adotaram medidas de restrição à entrada de judeus, a defesa do melhoramento racial foi muitas vezes instrumentalizada por planos políticos e sobrepujada por suspeitas ou alegações de envolvimento dos imigrantes judeus com ações anarquistas e comunistas. No Brasil, essa associação tem forte poder explicativo, pois esteve na justificativa do Golpe por meio do qual foi instalado o Estado Novo: uma reação ao chamado Plano Cohen (Documento divulgado pelo Governo Vargas, que supostamente continha um plano construído pela Internacional Comunista para a tomada de poder no país, e cujo nome remetia ao líder comunista húngaro judeu Béla Kohn). O General Góes Monteiro, um dos principais artífices do Golpe de 1937, esteve em treinamento na Alemanha nessa década e, antes do alinhamento com os EUA, chegou a externalizar publicamente sua simpatia pelas Forças Armadas e pelo projeto de regime em vias de construção na Alemanha.

Voltando à questão, é preciso esclarecer que um instrumento avaliativo padronizado aplicado em larga escala pode exigir na construção das questões algum tipo de síntese ou esquematização de conteúdos, a depender do perfil do respondente a que se destina e do nível de dificuldade almejado na consecução da tarefa cognitiva. Na prova de Ciências Humanas e suas Tecnologias do Enem, estão entre os critérios que balizam a construção das questões: a precisão conceitual e factual, o tipo de linguagem do público-alvo e o nível de disseminação do objeto de conhecimento junto aos estudantes do Ensino Médio. A questão deve estar correta do ponto de vista das pesquisas acadêmicas, mas deve ser, ao mesmo tempo, compreensível para o estudante concluinte do Ensino Médio. Na estrutura de um item do Enem, as alternativas incorretas contêm percursos plausíveis de entendimento, mas errôneos do ponto de vista da situação-problema comunicada no enunciado. As alternativas devem ser plausíveis do ponto de vista do que é ensinado nas escolas e podem remeter, algumas vezes, a ideias de senso comum, ultrapassadas do ponto de vista acadêmico, mas ainda persistentes entre os alunos menos proficientes. O gabarito contém o complemento ou resposta correta à indagação presente no enunciado, mas nem sempre pode cobrir todos os aspectos e/ou nuances mais específicos sobre o tema focalizado, pois deve ter uma extensão que não inviabilize a resolução do conjunto total do teste no tempo determinado.

No caso da questão 13, um gabarito que mencionasse a ?adesão? de membros da burocracia varguista apenas à ideologia eugenista, como é a proposta contida na crítica à questão, implicaria perda de precisão interpretativa, pois, como afirmado acima, o antissemitismo no contexto brasileiro, especialmente fora do campo intelectual, também se filiou a uma ideologia anticomunista (que estigmatizava o refugiado judeu como subversivo), uma das ideias-força que justificaram a emergência do nazismo e fascismo na Europa. Entre outros autores, essa interpretação está contida e bem documentada nas pesquisas de Maria Luiza Tucci Carneiro (2001, 2013).