RIO O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) notificou em carta a empresa de telecomunicação Claro para que preste esclarecimentos sobre reclamações de usuários de sua rede 4G. Os consumidores relataram problemas para jogar Pokémon Go game eletrônico de realidade aumentada criado pela Nintendo e Niantic Inc., lançado mês passado, que se tornou mundialmente popular.
Há hipótese por parte da Claro de Traffic Shaping , uma prática na qual a empresa que fornece a internet bloqueia ou restringe acesso a certos sites ou executáveis que consomem muita banda. O Marco Civil da Internet não permite que as operadoras, sejam elas provedoras móveis ou fixas, limitem o acesso, independente do conteúdo ou do horário. O documento pede também que a empresa Claro não faça uso da prática ilegal de discriminação de pacote de dados e Traffic Shapping, que tem gerado enorme lesão aos direitos dos consumidores.
Solicitamos que a Claro dê explicações transparentes sobre a natureza do problema, evidenciando ainda que não houve violação ao Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações, ao CDC e ao Marco Civil da Internet explica Rafael Zanatta, advogado e pesquisador do Instituto.
A Claro informou que não recebeu a notificação do Idec e reforça que seus clientes estão acessando normalmente o jogo Pokémon GO.
Notamos que alguns usuários tiveram dificuldades para acessar o aplicativo, após a atualização disponibilizada, no início da semana, pelo desenvolvedor do game. A empresa reforça que a questão já está solucionada e que não implementou qualquer restrição de acesso ao jogo aos seus clientes, diz a operadora em nota.
Zanatta explica que o sinal mais evidente de que está havendo Traffic Shaping é a baixa velocidade ou mal funcionamento de aplicações ou jogos. A suspeita mais evidente ocorre quando determinadas aplicações ou websites passam a funcionar de forma extremamente lenta, ao passo que outros conteúdos como Facebook e sites da operadora funcionam com velocidade adequada.
Isso é um indício fortíssimo de que alguma discriminação de tráfego de dados está acontecendo completa o advogado.
Segundo o advogado, uma forma de o consumidor documentar que está sendo vítima de tal prática é por meio de softwares e apps que monitoram o uso de dados e velocidade de conexão. Existem opções como o ShaperProbe, criada para detectar Traffic Shaping, ou apps como My Data Manager, ressalta, completando:
Se o consumo de dados ocorre de forma mais intensa (e de modo mais rápido) para determinadas aplicações/jogos e para outras não, é possível ter o registro eletrônico disso.
As denúncias são graves e sinalizam potencial de lesão ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações da Anatel e ao Marco Civil da Internet. O consumidor possui o direito de informação adequada e clara sobre os serviços contratados (art. 6º, Lei 8.078/1990), incluindo informações sobre limitações temporárias de determinados serviços. O usuário de Serviço Móvel Pessoal (SMP) também possui o direito de acesso e fruição dos serviços dentro dos padrões de qualidade e regularidades definidos pela Anatel (art. 3º, I, Resolução Anatel nº 614/2014).
A notificação do Idec sustenta que o consumidor de serviços de telecomunicações tem o direito do tratamento não discriminatório quanto às condições de acesso e fruição do serviço (art. 3º, III, Resolução Anatel nº 614/2014). A não discriminação das condições de acesso à Internet é também um dos pilares estruturantes do Marco Civil da Internet, que tem a defesa do consumidor como fundamento (art. 2º, V, Lei 12.965/2014). É no sentido de garantir a livre utilização da Internet sem interferência do provedor de conexão à Internet (fixa ou móvel) que se criou o artigo 9º desta lei, que prevê a regra fundamental de neutralidade de rede no Brasil.
Para ter seu acesso garantido, as pessoas precisam se apropriar do discurso de “neutralidade de rede”. Isso é um direito do usuário de internet, não é uma tecnicalidade enfatiza Zanatta.
Se houver qualquer suspeita de violação desse direito, o usuário precisa notificar a Agência Nacional de Telecomunicações, os Procons e as ONGs como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, afirma o advogado:
Os órgãos de defesa do consumidor sabem quais são os direitos dos usuários de Telecom e estão habituados com o Regulamento Geral dos Consumidores, criado em 2014. Nesse regulamento, existe uma regra de não discriminação de serviços e aplicações ao usar Internet móvel, uma regra que foi reforçada no Marco Civil da Internet, no artigo 9º. É importante que os Procons se familiarizem com os direitos do Marco Civil da Internet. Para tanto, as pessoas precisam denunciar e pressionar.
Problemas em outras operadoras
O advogado acrescenta que o Idec já tomou conhecimento de que o problema não está acontecendo somente com a Claro, mas que usuários de outras operadoras estão enfrentando dificuldades semelhantes.
Por enquanto, estamos coletando evidências. O caso da Claro foi o primeiro e gerou ampla reação nas redes sociais. Precisamos coletar mais dados sobre possíveis violações de neutralidade de rede e do Código de Defesa do Consumidor por outras operadoras de telefonia móvel.
Caso haja novas denúncias e relatos sobre a prática irregular, o Idec acionará a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon) e o Ministério Público Federal (MPF) para as medidas cabíveis.
Iniciaremos agora um diálogo com a Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça e Cidadania, onde participamos de um Grupo de Trabalho de Telecomunicações e Direitos. Vamos pedir também a instauração de um inquérito civil pelo Ministério Público completa o advogado do Idec.