RIO ? O telescópio espacial Hubble fez um raro flagrante de um cometa se despedaçando a cerca de 100 milhões de quilômetros de distância da Terra, enquanto orbita o Sol entre Marte e Júpiter. Numa série de imagens obtidas em janeiro deste ano, o Hubble capturou pelo menos 25 fragmentos compostos de uma mistura de gelo, rochas e poeira e com tamanhos equivalentes a até o de um prédio lançados ao espaço pelo cometa 332P/Ikeya-Murakami, ou simplesmente 332P. Nas imagens, os pedaços podem ser vistos se afastando lentamente do objeto, a uma velocidade comparável ao de uma pessoa caminhando.
– Sabemos que às vezes os cometas se desintegram, mas não sabemos muito sobre o porquê e o como ? conta David Jewitt, professor do Departamento de Ciências da Terra, Planetárias e Espaciais da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e líder da equipe de astrônomos responsável pelo flagrante, tema de artigo publicado nesta quinta-feira no periódico científico ?Astrophysical Journal Letters?. – O problema é que isto acontece tão rápido e sem aviso que não temos muitas chances de coletar dados úteis. Mas, com a fantástica resolução do Hubble, não só podemos ver os pequenos e tênues pedaços do cometa como também sua alteração dia após dia. Isto nos permitiu fazer as melhores medições até agora de tal evento.
Segundo os cientistas, as imagens do Hubble sugerem que o cometa está girando tão rápido ? tanto que uma pessoa que estivesse na sua superfície veria o Sol nascer e se pôr a cada hora -, que o material que saiu voando foi efetivamente ?ejetado? de sua superfície. Os fragmentos então se espalharam formando uma trilha de cerca de 5 mil quilômetros, maior que o comprimento do Brasil.
Nos três dias de observações do 332P, o Hubble também registrou aumentos e diminuições periódicas no brilho tanto do cometa quanto de seus fragmentos à medida que eles giram e as partes de gelo de sua superfície refletem a luz do Sol. O Hubble também revelou que o 332P é bem menor do que os astrônomos pensavam, com quase 500 metros de diâmetro. Já os pedaços lançados ao espaço têm tamanhos que variam entre 20 e 60 metros de comprimento e equivaleriam a aproximadamente 4% da massa do cometa.
A visão nítida do Hubble também revelou o que parecem ser pedaços de material ainda mais próximos do cometa, que podem ser os primeiros sinais de outra erupção. As imagens incluem ainda um objeto que seria remanescente de outro pico de atividade do 332P que os astrônomos acreditam ter acontecido em 2012. Este possível fragmento talvez seja tão grande quanto o próprio cometa, o que sugere que ele se dividiu em dois naquele ano. Ele, no entanto, só foi avistado pela primeira vez em dezembro de 2015 por astrônomos trabalhando com um telescópio no Havaí, o Pan-Starrs, tendo sido designado P/2015 Y2. E foi justamente a descoberta deste outro cometa tão próximo que levou Jewitt e colegas a requisitarem tempo de uso do Hubble para estudarem o 332P em mais detalhes.
– No passado, os astrônomos pensavam que os cometas morriam quando eram aquecidos pela luz do Sol, fazendo com que seu gelo simplesmente fosse vaporizado para longe ? lembra Jewitt. – Mas está começando a parecer que a fragmentação pode ser ainda mais importante (para a desintegração de um cometa). Com o 332P podemos muito bem estar assistindo um cometa se fragmentando rumo ao esquecimento.
Diante disso, os pesquisadores estimam que o 332P deve ter massa suficiente para 25 outras erupções como a flagrada pelo Hubble.
– Se o cometa passa por um destes episódios a cada seis anos, o equivalente a uma de suas órbitas em torno do Sol, ele terá partido em 150 anos ? diz Jewitt. – Isto é apenas um piscar de olhos em termos astronômicos. A viagem que ele fez para o Sistema Solar interior o condenou.
O último comentário de Jewitt é uma referência à provável procedência do cometa: ele teria vindo do chamado Cinturão de Kuiper, um vasto espaço populado por um enxame de objetos gelados na periferia de nosso Sistema Solar, dos quais o hoje planeta-anão Plutão é o exemplo mais conhecido. O 332P teria sido deslocado desta região por um ?puxão? gravitacional de Netuno, ?despencando? para o Sistema Solar interior, onde então foi jogado de um lado para o outro pela gravidade dos planetas até que a ação do gigante Júpiter fez com que se assentasse na sua órbita atual.