Cotidiano

Governos reagem com horror a relato de enforcamentos em massa na Síria

MIDEAST-CRISIS-SYRIA-ASSAD-GIR33V1VP.1.jpgBEIRUTE/GENEBRA – Organizações e governos internacionais reagiram com horror à denúncia da Anistia Internacional de enforcamentos em massa na prisão síria de Saydnaya, usada pelo regime sírio como local de tortura de milhares de detentos pelo regime de Bashar al-Assad. A Anistia acusou na terça-feira o governo sírio de ter enforcado em sigilo cerca de 13.000 pessoas em cinco anos em uma prisão perto de Damasco, denunciando uma “política de extermínio”.

O chefe da Comissão de Inquérito da ONU sobre a Síria, o brasileiro Paulo Pinheiro, relatou que o documento comprova denúncias recebidas pela entidade ao longo dos últimos anos. Síria

? Temos detalhes extensivos e sistemáticos das cerimônias regulares que fazem para enforcar diante de uma audiência de funcionários públicos. É uma das instâncias mais claras de uma prática sistemática sobre a qual tivemos descobertas-chave ? disse ele à Reuters.

Os ministros das Relações Exteriores de França e Reino Unido reagiram com um tom de espanto.

“Enjoado pelos relatos da Anistia Internacional sobre as execuções na Síria. Assad é o responsável por tantas mortes e não tem futuro como líder”, tuitou o britânico Boris Johnson.

“A Anistia documentou o horror nas prisões do regime sírio. Esta barbaridade não pode ser o futuro da Síria”, tuitou por sua vez o francês Jean-Marc Ayrault.

Enquanto grupos como a Cruz Vermelha exigiram acesso às instalações de Saydnaya, o Alto Comitê de Negociações, que representa a oposição em conversas de paz, disse que o relatório “demonstra que o regime cometeu crimes de guerra e contra a Humanidade”.

O regime sírio não se pronunciou até o momento.

MASSACRE DE CIVIS

As pessoas executadas entre 2011 e 2015 na prisão de Saydnaya eram em sua maioria civis considerados opositores ao governo do presidente Bashar al-Assad, afirmou a AI a duas semanas do início em Genebra das negociações de paz de um conflito que já deixou ao menos 310.000 mortos.

Com o título “Matadouro humano: enforcamentos e extermínio em massa na prisão de Saydnaya”, o relatório da ONG se baseia em entrevistas com 84 testemunhas, incluindo guardas, detentos e juízes.

“As execuções constituem crimes de guerra e crimes contra a humanidade”, afirma a organização de defesa dos direitos humanos. “Existem razões para acreditar que esta prática perdura até o dias atuais.”

Segundo o informe, pelo menos uma vez por semana, entre 2011 e 2015, grupos de até 50 pessoas eram retirados de suas celas para processos arbitrários. Depois de espancados, eram, então, enforcados “em plena noite, em segredo absoluto”.

“Ao longo de todo esse processo, têm os olhos vendados. Não sabem quando, nem como vão morrer, até que amarram uma corda no pescoço deles”, denuncia a organização.

“Eram deixados (enforcados) de 10 a 15 minutos”, explicou um antigo juiz que assistiu às execuções. “No caso dos mais jovens, o peso não era suficiente para morrer. Os ajudantes dos carrascos os puxavam para baixo, quebrando o pescoço”.

“Os horrores descritos neste relatório revelam uma campanha oculta e monstruosa, autorizada no mais elevado nível do governo, que pretende esmagar qualquer forma de protesto da população”, disse Lynn Maaluf, diretora adjunta de investigação no escritório da Anistia Internacional em Beirute.

O governo sírio não reagiu até o momento, mas em uma entrevista concedida a jornalistas belgas, realizada antes da publicação do relatório da Anistia Internacional, o presidente Bashar al-Assad declarou que privilegiava a defesa da Síria em detrimento do Tribunal Penal Internacional (TPI).

“Devemos defender nosso país por todos os meios”, disse Assad. “Não prestamos nenhuma atenção a este tribunal nem a nenhuma instância internacional”, acrescentou quando foi perguntado sobre a possibilidade de que autoridades sírias sejam julgadas pelo TPI de Haia.

No ano passado, a ONU acusou o governo de Assad de dirigir uma política de “extermínio” em suas prisões.

A AI havia calculado anteriormente em 17.700 o número de pessoas mortas nas prisões do regime desde o início do conflito em março de 2011.

Mas a ONG destaca que este número não inclui os 13.000 mortos mencionados no informe divulgado nesta terça-feira.

Milhares de prisioneiros estão detidos no presídio militar de Saydnaya, um dos centros de detenção mais importantes do país, 30 km ao norte de Damasco.

A Anistia acusa o governo sírio de realizar uma “política de extermínio”, torturando os presos regularmente, privando-os de água, de alimentos e de cuidados médicos.

Alguns prisioneiros foram violentados ou forçados a cometer agressões sexuais contra outros detentos. Alguns guardas jogavam a comida dos prisioneiros no chão de suas celas, geralmente sujo, denuncia a organização.

Além disso, os detentos não estavam autorizados a falar e tinham que adotar determinadas posições quando os guardas entravam nas celas.

“A cada dia eram dois ou três mortos em nossa ala”, disse Nader, ex-detento que teve o nome modificado no relatório.

“Dormíamos com o som das pessoas morrendo de asfixia. Era normal naquele momento”, afirmou Hamid, detido em 2011.