RIO – Segundo longa-metragem de Kleber Mendonça Filho, “Aquarius” (que levou mais de 50 mil pessoas ao cinema no último fim de semana, o de estreia, e que está na lista de obras brasileiras que vão disputar o Oscar de filme estrangeiro) está cheio de cenas e de frases fortes – algumas, porém, ternas e divertidas, como a da personagem Clara (vivida por Sonia Braga) ao sobrinho que vive uma paixão de juventude: “Toca Maria Bethânia pra ela, mostra que tu é intenso.” E Bethânia dá o ar de sua graça no filme, quando Clara põe a gravação de “Um jeito estúpido de amar” (de Isolda e Milton Carlos, popularizada por Roberto Carlos).
“Aquarius” é um filme em que as canções fazem parte da narrativa. Clara é jornalista especializada em música que ainda ouve sua coleção de LPs. As épocas em que a ação transcorre (1980 e o tempo presente), e as várias situações vividas na cidade de Recife, são marcadas por fragmentos da MPB e do pop internacional, pinçados com muito cuidado e paixão. Era de se esperar portanto que, antecipando-se ao (pouco provável) lançamento físico de uma trilha, já circulem em serviços de streaming como o Spotify compilações com as músicas do filme.
E há boas surpresas. Na abertura (e encerramento) de “Aquarius”, está “Hoje”, sucesso de Taiguara (1945-1996), romântica e combativa canção que deu título ao seu LP de estreia, de 1969 – um achado ainda muito sonoro, que empresta força a “Aquarius”. Um Roberto Carlos muito singelo, “O quintal do vizinho” (do seu LP de 1975), sonoriza (e protagoniza) outra cena importante. E o samba-choro “Pai e mãe” (“Eu passei muito tempo / aprendendo a beijar outros homens / como beijo o meu pai”), de Gilberto Gil (do disco “Refazenda”, de 1975), entra em cena para levar os espectadores à lágrimas (noutra cena, é o Gil festeiro de “Toda menina baiana” que comanda a massa).
Rebelião e novidade são representados em “Aquarius” pelo grupo inglês Queen (um predileto dos fazedores de cinema do mundo), em dois momentos, com “Another one bites the dust” (1980) e “Fat bottomed girls” (1978). Do internacional para o regional, a Recife bem popular também é retratada no filme em dois momentos, com o Reginaldo Rossi de “Recife minha cidade” e “Meu som é pau” (Aviões do Forró).
Alcione, Ave Sangria (mítico grupo de rock do Recife dos anos 1970), Altemar Dutra, Boca Livre, Heitor Villa-Lobos e Mateus Alves (autor da trilha orquestral) entram ainda para somar em um time muito musical de um filme que, como bom LP, tem lados A e B igualmente interessantes.