PARATY ? Não foram muitos os que se aventuraram a sair da cama cedo e encarar o clima frio e as pedras de Paraty para assistir à primeira mesa da Flip 2016, nesta quinta-feira. Em ?A Teus Pés?, em referência a um dos livros mais famosos de Ana Cristina César, a homenageada deste ano, as poetas Annita Costa Malufe, Laura Liuzzi e Marília Garcia discutiram suas obras poéticas e a influência de Ana C. Antes, porém, Laura Liuzzi fugiu do tema e pediu licença para ler um poema ?bem ruim?, sem citar seu autor. Ao final, revelou: é do presidente interino Michel Temer. Links Flip Dia 2
? Quis fazer esse desvio antes para provar que a legitimidade dele como poeta é diretamente proporcional à legitimidade dele como presidente ? disse, sob aplausos dos espectadores.
Só então, ao tema: a mediadora Ana Lima Cecílio (veja aqui a programação completa da Flip 2016) abriu os trabalhos frisando que este é um momento delicado para as mulheres no Brasil: enquanto os movimentos feministas ganham força, a política nacional segue o caminho contrário.
? Quando se fala em literatura de mulher, parece que estamos falando de algo estereotipado, e não queremos isso. Mas também, como meu corpo, quem eu sou, não vai fazer parte do meu trabalho, do trabalho da Ana Cristina? ? contemporiza Annita. ? Quando eu tinha 5 anos, fundei um clube na escola. Só entravam meninas, mas elas não podiam usar saia, laçarote, brincar de boneca. A outra sócia e eu só andávamos de bicicleta e jogávamos futebol. E isso causou um problema na escola, claro. Eu sempre tive horror a essa coisa de ter que responder aos estereótipos que jogam para cima da gente a vida inteira. Ainda assim, acho que existe uma intuição e uma sensibilidade feminina que pode ser que apareça nos poemas. Daí a ser uma escrita feminina… é uma forma de manter esses estereótipos, não gosto.
Debatendo o trabalho de uma mulher, as quatro mulheres sobre o palco trataram de frisar a importância de Ana C não só para suas obras, mas também para a poesia nacional.
? Quando comecei a ler Ana Cristina eu não entendia nada, ela causa um estranhamento, uma vertigem. É um trabalho nonsense que é uma coisa muito rara na nossa poesia. O que faz dela totalmente atual, radical, experimental ainda hoje ? disse Annita, sobre a autora morta em 1983. Cinco poemas para conhecer Ana Cristina Cesar
Ex-assistente de Eduardo Coutinho, Laura foi instigada a relacionar a poesia ao cinema. Links Flip Serviço
? No cinema, separamos a ficção e o documentário, na literatura, temos o romance e a poesia. Para mim, documentário é poesia. É o que eu faço. Especialmente no trabalho do Coutinho, não há necessidade de ser tão visual, é melhor que você esteja aberto a todas as possibilidades porque um documentário fechado é um documentário ruim. Assim como a poesia.
Marília, que antes de se tornar escritora ganhava a vida traduzindo poesias, tratou de usar a tradução como método para alguns de seus trabalhos.
? As tradutoras dos meus poemas para o inglês sempre me fizeram muitas perguntas. Não eram perguntas objetivas, mas sobre sutilezas, sentimentos, expressões, ambiguidades. Não é uma coisa fechada ? conta a autora, que fez um exercício: escreveu poesias em francês, idioma que não domina, que depois foram versadas para o português. ? Foi interessante. A tradutora diz coisas que eu não diria, usa palavras que eu não diria. Mas como eu assino e escrevi o original, assumo como meu. A tradutora virou personagem. Autores que já foram homenageados na Flip