Cotidiano

Ficção sobre desventuras de atrizes na Rússia abre a Première Brasil

vermelhorusso.jpgRIO ? Uma comédia agridoce, de tom naturalista e cheio de metalinguagem, abriu na noite desta sexta-feira o primeiro dia da mostra competitiva da Première Brasil, no Festival do Rio. “Vermelho russo”, de Charly Braun, foi projetado para uma plateia que ocupou parcialmente a sala reservada para convidados do Roxy, no primeiro ano em que o cinema de Copacabana abriga a principal mostra nacional do festival. Links Festival do Rio

Coprodução entre Brasil e Rússia, o longa segue a trajetória de duas atrizes brasileiras (vividas por Martha Nowill e Maria Manoella) que vão àquele país para se aperfeiçoar num curso baseado na famosa técnica Stanislavski. Durante a primeira metade da trama, tudo parece ir muito bem entre as amigas: elas se divertem, conhecem outros artistas de teatro e riem das dificuldades de se adaptar à cultura e língua locais.

A relação entre ambas degringola quando um ator (Michel Melamed) beja uma delas, despertando o que parece ser uma crise de ciúme entre as jovens, que dividem o mesmo quarto numa casa destinada a abrigar ex-artistas e profissionais soviéticos (é feita, inclusive, uma bem-humorada referência ao Retiro dos Artistas). A partir daí, o convívio fica insuportável, com constantes brigas entre elas. Para piorar, o clima desagradável começa a afetar o seu desempenho nas aulas de interpretação.

Todos os personagens do filme têm o mesmo nome que os atores que os interpretam ? uma decisão calculada, já que a trama se baseia nos diários de Martha Nowill, que também assina o roteiro ao lado de Braun. Um dos colegas de Martha e Maria é justamente um cineasta que grava um documentário sobre o dia a dia das atrizes, numa autorreferência a Charly Braun. Numa cena, aliás, o personagem mostra o DVD de um de seus filmes anteriores, e na embalagem se lê o título “Além da estrada” ? mesmo nome do longa anterior de Braun, pelo qual venceu o troféu Redentor de melhor direção em 2010. Os filmes imperdíveis do Festival do Rio 2016

Para realçar a metalinguagem que conduz a história, Braun aposta num tom realista, que às vezes chega a lembrar o formato de um documentário.

? Não pensei nisso enquanto filmava, mas, aqui, olhando para essa equipe, percebo que é um filme sobre mulheres e feito quase por mulheres ? disse o diretor, antes da sessão. – E fico muito feliz com isso.

Antes, foi exibido o documentário “Waiting for B.”, de Paulo Cesar Toledo e Abigail Spindel. Os diretores acompanharam fãs de baixa renda de Beyoncé que acamparam, durante meses, nos arredores no Estádio do Morumbi, em São Paulo, na esperança de ocuparem a grade no show da cantora. Os documentaristas se aprofundam nas histórias dessas pessoas que, vistas por quem passa por perto, são frequentemente taxadas de “loucas”.

A premissa, na verdade, é apenas um gancho para explorar temas como homofobia e racismo. Um dos entrevistados conta que, na infância, se trancava em casa para cantar e dançar Beyoncé, num ato aparentemente banal, mas que para ele representava um momento de liberdade. Uma fã negra relata ter visto na ídola a prova de que era possível ser bem-sucedida independentemente da cor da pele, e diz ter se inspirado na artista para aprender inglês e fazer faculdade.

Assim, Cesar Toledo e Spindel compõem um mosaico social em que seus integrantes, ligados pela música, veem a possibilidade de expressar a sua sexualidade livremente, num ato de liberdade e afirmação. Numa das cenas mais fortes do documentário (que, no contexto, acaba ganhando um tom até mesmo melancólico), os fãs precisam se recolher em suas tendas e agir “discretamente” quando torcedores tomam conta do estádio para uma partida de futebol.

? Esse filme só foi possível graças à boa vontade e parceria de gente que trabalhou de graça, o que tem tudo a ver com o que filmamos: uma fila sem orçamento, baseada em muito suor e esforço ? discursou Cesar Toledo.

Também foram exibidos os curtas-metragens “Lápis cor de pele”, de Victória Rocque, e “O estacionamento”, de William Biagioli. Todos os realizadores dos quatro filmes projetados nesta sexta protestaram contra o governo com gritos de “fora, Temer”.
A Première Brasil continua neste sábado, com sessões do documentário “Divinas divas”, de Leandra Leal, e da ficção “Redemoinho”, de José Luiz Villamarim.