RIO ? Lá se vão doze anos desde que o brasileiro Jean Charles de Menezes foi morto a tiros, por engano, pela polícia britânica, ao ser confundido com um possível terrorista em Londres. E, nesta quarta-feira, a agente que comandava a operação que terminou no assassinato do eletricista mineiro, Cressida Dick, foi promovida a chefe da polícia londrina. Para a família de Jean Charles, a notícia foi como fazer sangrar de novo uma ferida que nunca fechou, segundo relata a sua prima, Patrícia Armani. A brasileira ainda vive na capital do Reino Unido e protesta contra a indicação da única autoridade que, acredita, poderia ter impedido a morte do seu primo dentro de uma estação de metrô em 24 de julho de 2005. jean charles de menezes
Cressida estava no comando da operação que confundiu Jean Charles, então com 27 anos, com o terrorista etíope Hussain Osman ? suspeito que havia tentado, junto com mais três extremistas, explodir a rede de transporte público de Londres no dia anterior. Na época, a família de Jean Charles pediu que todos os agentes envolvidos no caso fossem condenados. Mas a Procuradoria considerou que Cressida não deveria ser processada, embora a Scotland Yard tenha sido considerada responsabilizada pela tragédia.
Em entrevista ao GLOBO, Patricia chamou a indicação de Cressida de uma decisão desastrosa e preocupante. Segundo ela, a cada vez que a policial ? considerada uma das mais talentosas da sua geração por colegas no Reino Unido ? recebeu promoções desde a morte do seu primo, a família sofria em reviver o assassinato de Jean Charles. Em 2007, a agente foi encarregada da proteção à família real britânica. Mais tarde, chefiou a unidade de combate ao terrorismo e foi a diretora nacional de segurança para os jogos olímpicos de Londres em 2012.
? A gente acha isso um desastre, porque ela ocupou o cargo mais alto da polícia e tem um poder imenso lá dentro. Não merecia, porque é a maior responsável pela morte do meu primo naquela operação. Ficamos muito desapontados, mas já esperávamos por isso, porque estamos acostumados com o descaso. Com esta atitude, mostram que não estão nem aí. A ferida que está aí, cicatrizando, volta a sangrar ? disse Patricia, que trabalha com serviços de limpeza em uma escola de Londres. ? É preocupante, porque a Europa está num tempo difícil, com vários ataques terroristas, e sabemos que que a qualquer momento pode ter um ataque aqui em Londres. E aí o que vai acontecer? A polícia toda vai se mobilizar e matar um inocente? Que pode ser eu, meus primos ou meus amigos?
A investigação apontou os erros que a Scotland Yard cometeu na ação. A polícia alegou que o brasileiro apresentava um comportamento suspeito e carregava drogas no dia da operação. De fato, Jean Charles pulara a roleta do metrô e, ao ser abordado pelos policiais, correu, e não obedeceu à ordem de parar. Os agentes, então, atiraram sete vezes. Em 2011, os advogados da família de Jean Charles e a Scotland Yard chegaram a um acordo sobre a indenização devida: cerca de R$ 300 mil, apenas um terço da quantia pleiteada.
Durante três dias, em um julgamento de 2007, Cressida relatou ao júri de que tinha motivos para acreditar que Jean Charles fosse, na verdade, o terrorista procurado. Ela contou que agentes de segurança lhe disseram cinco vezes que acreditavam estar perseguindo Hussain Osman. E, enquanto o suspeito era rastreado pelas ruas de Londres, a confiança da Scotland Yard sobre a sua identidade ia crescendo.
? Pelos comportamentos descritos a mim (nervosismo, agitação, o envio de mensagens de texto, o uso de um telefone, e a entrada e a saída de um ònibus), tudo contribuía para a hipótese de que era alguém com a potencial intenção de causar uma explosão ? disse a policial em 2007, segundo o jornal “The Guardian”.
Patricia reconhece que não sabe quem eram os outros candidatos à chefia da polícia londrina. Ela diz que já ouvia falar do processo de escolha para um novo comandante há cerca de três meses. No início desta semana, a sua família, assessorada pela campanha que ainda luta por justiça no caso de Jean Charles, enviou uma carta ao prefeito de Londres, Sadiq Khan, com um pedido contra a nomeação de Cressida.
? Fizemos uma carta para o prefeito, pedindo para que, quando ele fosse entrevistá-la, considerasse todas as questões em relação à morte do meu primo. Ele esteve em contato com nossos representantes da campanha. Disse que nos tinha dado atenção e ia considerar ? diz Patricia que, apesar de uma voz tranquila, não esconde a revolta nas palavras: ? Mas para nós é ofensivo. Impunidade pura. A sensação que dá é a de que ela fez um ótimo trabalho há doze anos. Que o que ela fez foi muito bem feito. Que ela deveria ter feito isso mesmo. É a impressão que dá.