Cotidiano

Ex-aliados duelam em plebiscito sobre acordo de paz na Colômbia

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BUENOS AIRES ? No plebiscito que será realizado neste domingo na Colômbia está em jogo a paz e o fim de uma guerra que durou 52 anos, mas, também, o futuro dos dois homens mais poderosos do país, que representam alternativas políticas diametralmente opostas. O presidente Juan Manuel Santos, que desde 2010 governa com a paz como pilar essencial de sua gestão, espera uma vitória esmagadora do ?sim? para tentar elevar uma imagem positiva deteriorada, que segundo pesquisas está em torno de 36%. Já o ex-presidente e senador Álvaro Uribe (2002-2010), líder do direitista Centro Democrático, cuja popularidade ronda 50%, comandou a campanha do ?não? com a expectativa de fortalecer seu partido e começar a posicionar-se para as presidenciais de 2018.

Uribe não pode ser candidato, mas, segundo analistas locais ouvidos pelo GLOBO, ainda sonha com uma reforma constitucional que lhe permita retornar ao poder. Caso isso não seja possível, o poderoso senador escolherá um nome de sua confiança para disputar a Presidência dentro de dois anos.

Apesar dos planos de ambos, a realidade política colombiana é bem mais complexa do que eles gostariam. O país vive um verdadeiro paradoxo: o mais provável é que hoje triunfe o ?sim?, mas isso, não necessariamente, se traduzirá em mais apoio ao governo Santos. Por outro lado, Uribe é o político mais popular da Colômbia, mas não teria conseguido transferir esse respaldo à proposta do ?não?.

? Apesar da forte campanha dos dois, as pessoas estão distinguindo claramente uma disputa política do acordo de paz. Santos poderá melhorar um pouco sua imagem, mas não muito ? explicou César Caballero, diretor da empresa de consultoria Cifras y Conceptos.

Para o presidente e seu antecessor, o plebiscito é uma espécie de prévia das presidenciais de 2018. No caso de Santos, a aposta é ainda mais ambiciosa. O presidente pensa não somente eu seu futuro político, mas, sobretudo, em ganhar um lugar na História.

? Santos quer se tornar um líder internacional, disputar o prêmio Nobel da Paz. Quer que, com o plebiscito, o acordo fique blindado e não possa ser modificado em futuros governos, além de ser exemplo para o mundo ? afirmou Sandra Borda, professora da Universidade dos Andes.

Em sua opinião, para todos está muito claro que será a vitória do ?sim?, e não de Santos.

? Aqui não está envolvido apenas o governo, participaram da campanha muitos movimentos sociais, setores da esquerda e partidos que não formam parte do Executivo. Não será uma vitória pessoal do presidente ? enfatizou Sandra.

PROBLEMAS INTERNOS GANHARÃO PESO

Nas últimas semanas, Santos aproveitou cada oportunidade que teve para pedir aos colombianos que votem ?sim?. Depois de assinar o entendimento com as Farc, entregou casas populares na cidade de Cartagena e fez campanha.

? Vocês poderão decidir com seu voto que futuro querem para seus filhos. Por isso, aproveitem suas casas e votem no ?sim? no plebiscito pela paz ? declarou.

Já Uribe realizou várias passeatas, uma das últimas em Cartagena, no dia em que Santos e as Farc firmaram o acordo. O senador não perdeu oportunidade de ocupar espaço na mídia.

? Os EUA não permitiriam que Bin Laden fosse eleito (para o Congresso). Por que temos de dar essa possibilidade a este grupo de terroristas? ? perguntou.

A participação de membros das Farc na política é um do pontos do acordo mais questionados pelo ex-presidente.

? Vamos dar espaço político e impunidade ao maior cartel de cocaína do mundo ? disse o ex-chefe de Estado.

A permanente queda de braço com Santos rendeu bons frutos a Uribe. Na visão do jornalista Mauricio Vargas, colunista do ?El Tiempo?, mesmo sendo derrotado hoje ?o senador tem motivos para estar satisfeito?.

? O partido de Uribe perdeu as presidenciais do ano passado e teve um péssimo desempenho nas últimas regionais. O plebiscito deu ao ex-presidente a possibilidade de voltar ao centro da cena política ? comentou.

Desde que assumiu pela primeira vez a Presidência, após ter sido ministro da Defesa do seu antecessor, Santos sempre colocou Uribe como seu principal opositor. O plebiscito não foi uma exceção. Mais uma vez, o presidente aceitou ser parte de um duelo quase pessoal com seu antigo aliado político, o que, na opinião de Vargas, ?favorece mais Uribe do que Santos?.

? Acho que no plebiscito ganham os dois. Santos terá a vitória do ?sim?, mas Uribe terá conseguido recuperar impulso para as próximas batalhas ? enfatizou o colunista do ?El Tiempo?.

Vargas lembrou que a campanha pelo ?não? deu ao ex-presidente a possibilidade de percorrer o país e ?com certeza alcançar em torno de três milhões de votos?.

? O erro de Santos foi transformar Uribe num interlocutor privilegiado. Hoje os objetivos de ambos são muito diferentes: Santos quer virar uma espécie de Dalai Lama, e Uribe quer continuar concentrando poder ? disse.

O presidente colombiano ainda tem dois anos de mandato e espera que a provável vitória do ?sim? o ajude a reverter um crescente clima de insatisfação. Santos, segundo analistas, é considerado um presidente de fraco desempenho em saúde, educação e segurança. Depois de ter dedicado grande parte de sua energia a alcançar a paz com as Farc, o chefe de Estado deverá, agora, atender às demandas internas.

? Temos pela frente uma reforma fiscal que será difícil. Se o acordo der certo, os problemas internos ganharão peso, porque a paz deixará de ser uma questão ? alertou Vargas.

Para ele, hoje a Colômbia está dividida em três partes:

? Temos 30% que estão com Uribe, outros 30% com Santos e a esquerda e, finalmente, uns 40% de classe média urbana que vai mudando de posição em função de seus temores. Nada está ganho neste país, nem para Santos, nem para Uribe.