RIO ? Uma turma de estudantes da Universidade Stanford, na Califórnia, recebeu uma tarefa inusitada numa disciplina do curso de Arqueologia. Como projeto final, eles deveriam produzir uma cerveja artesanal. Não uma pilsen, uma stout ou uma ale, mas uma receita usada por chineses há 5 mil anos.
? Arqueologia não é apenas sobre ler livros e analisar artefatos ? disse a professora Li Liu, que liderou estudo publicado em maio do ano passado relatando a descoberta do mais antigo vestígio de produção de cerveja na China. ? Tentar imitar comportamentos e produzir coisas com métodos antigos ajudam os alunos a realmente se colocarem no passado e entenderem por que as pessoas fizeram o que fizeram.
Por meio de análises químicas realizadas em ânforas, funis e panelas datados de 5 mil atrás, os pesquisadores foram capazes de identificar os ingredientes utilizados pelos antigos chineses para a produção da bebida. A cerveja era composta principalmente por cereais, incluindo milho e cevada, assim como lágrimas-de-jó, uma gramínea típica da Ásia. Traços de inhame e raiz de lírio também foram identificados.
Segundo Li, a maior surpresa foi encontrar a cevada, usada hoje para a produção de cerveja, porque a mais antiga evidência arqueológica da presença do cereal na China data de 4 mil anos atrás.
? Nossos resultados sugerem que a introdução da cevada na China poderia estar relacionada à produção de bebidas alcoólicas, não para a alimentação ? disse Li, destacando que a planta foi domesticada primeiramente no oeste asiático e depois foi levada para a China.
Nos laboratórios de Stanford, os estudantes usaram equipamentos modernos, como béqueres e funis de vidro, mas as técnicas eram dos povos antigos. Os ingredientes usados para a fermentação não foram filtrados. Dessa forma, a bebida resultante ficou mais parecida com um mingau, com sabor doce e frutado, bem diferente das cervejas claras e amargas que bebemos hoje.
Os estudantes tentaram imitar a antiga receita usando sementes de milho, trigo ou cevada. O primeiro passo foi cobrir os grãos com água, num processo conhecido como maltagem. Com o malte preparado, as sementes foram esmagadas e colocadas na água novamente e cozidas a temperatura de 65 graus Celsius por uma hora. Depois, o líquido foi colocado num recipiente selado e posto em repouso à temperatura ambiente por uma semana para fermentação.
Além da cerveja chinesa, os estudantes foram desafiados a produzir a chicha de mandioca, bebida alcoólica fermentada tradicional de culturas indígenas da América do Sul. As técnicas tradicionais envolvem mastigar e cuspir a raiz, antes de ferver e fermentar a mistura.
? Foi um processo estranho ? disse a estudante Madeleine Ota. ? As pessoas me olhavam estranho quando viam a ?cerveja de cuspe? que eu estava fazendo para o curso. Eu lembro de ter pensado: como isso pode se tornar em algo alcoólico? Mas foi gratificante ver que os dois experimentos deram resultados.
Li, especialista em arqueologia dos alimentos, explicou que o estudo da evolução da produção do álcool fornece uma nova visão para entendimento do comportamento dos povos antigos. Mas é difícil precisar exatamente como as bebidas e os alimentos eram produzidos apenas com a análise de artefatos, porque as moléculas orgânicas são facilmente quebradas. Por isso a importância da arqueologia experimental. Os experimentos dos estudantes serão incorporados por Li e sua equipe nos estudos que estão sendo realizados sobre a produção de álcool na antiguidade.
? As cervejas que os estudantes produziram e analisaram serão incorporadas às nossas pesquisas ? disse Jiajing Wang, doutoranda em Stanford que trabalha com Li. ? Dessa forma, as aulas dão aos estudantes a oportunidade não apenas de experimentar como o trabalho diário dos arqueólogos, mas também de contribuir com uma pesquisa em andamento.