Conte algo que não sei.
Todos aqui acham que os jardins de Auguste François Marie Glaziou, que reformou o Passeio Público, a Quinta da BoaVista e o Campo de Santana na segunda metade do século XIX, são jardins franceses. É falso. São jardins europeus tropicalizados. Peguei emprestada essa noção de Gilberto Gil, e do tropicalismo. Glaziou se inspirou no Jardim Público de Bordeaux, transformado em 1856/58, mas usa as plantas coletadas aqui, num sincretismo botânico.
Aqui, diríamos uma geleia geral botânica, expressão usada pela Tropicália.
É preciso não esquecer algo determinante sobre Glaziou. Ele era um botânico, e foi o mais importante coletor de plantas do Brasil de todo o século XIX. Coletou mais de 22 mil espécies. Glaziou tem seu nome associado a mais de 400 delas, como a Manihot Glaziovii (popularmente, maniçoba). A decisão de levar as plantas da Floresta da Tijuca para compor o parque foi fundamental. Enquanto toda a ?boa sociedade carioca? olhava para a Europa ? nas roupas, pinturas, arquitetura ? , ele olhou na direção contrária, usando as plantas naturais do Brasil. Burle Marx lhe renderia uma homenagem mais tarde: diria que Glaziou era o mais importante paisagista brasileiro do século XIX.
O senhor é especializado em história dos jardins. É possível determinar quando foi criado o primeiro deles?
Comecei meu curso de história dos jardins por aí, já que gosto de definir o objeto de estudo. Jardim vem do prefixo alemão garth, que gerou garden em inglês, giardino em italiano, jardin em francês, jardim também em português. E o que significa garth? Limite. Veja bem, eu não disse cerca; disse limite. Ou seja, o limite é a situação fundadora do jardim. Se pegarmos uma outra palavra à qual frequentemente associamos jardim ? paraíso ? vemos que também ela vem da palavra persa que significa limite. Ou seja, é o limite que define o jardim. Depois, em seu interior, a gente faz o que quiser. E o que fazemos? Com que cresçam plantas para nos alimentar. O primeiro jardim, portanto, é o jardim-horta, o antigo jardim fundamental, aquele que nutre o homem; depois ele evolui até se tornar o espaço de convivência que é hoje.
Já que o senhor citou paraíso, vou mais longe: o Éden da Bíblia era de fato um jardim?
A Bíblia determina os limites do Éden. Então, segundo esse raciocínio já descrito, é um jardim. E nele havia abundância de tudo: água, alimentos.
É voz corrente que os britânicos amam jardinagem. Alguns povos gostam mais de jardins do que outros?
Lembro de uma conferência em que falei de um pequeno grupamento humano com o qual havia trabalhado na Indonésia, e que tinha jardins verticais, numa floresta. Não posso dizer que os japoneses amam mais os jardins do que os ingleses, ou que esse pequeno povo da Indonésia. Não se pode pensar nisso através da noção de nacionalidade. É uma noção que aparece no século XVIII, reforçada no século XIX, e é nociva. Recuso essas ideias.
Os jardins são feitos para que as pessoas passeiem, deixem-se ficar. Mas, no Rio, a violência tem tirado a população desses espaços. O que o senhor acha disso?
É um problema político, sobre o qual não me sinto à vontade para falar. Só acho uma pena que as pessoas sejam afastadas dos jardins por esse motivo.