Cotidiano

Dilma diz ser 'estranhíssima' dupla votação de impeachment

BRASÍLIA ? Dois dias depois de perder o mandato, a ex-presidente Dilma Rousseff disse, nesta sexta-feira, achar “estranhíssima” a divisão das votações sobre o processo de impeachment no Senado. Em entrevista a jornalistas estrangeiros no Palácio da Alvorada, a petista, aparentando descontração, afirmou que ficou desconfiada com os resultados tão distintos nas duas votações ? uma que a tirou do cargo, e outra, com votos de boa parte da bancada do PMDB, que manteve sua habilitação para cargos públicos.

? Acho estranhíssima essa dupla votação. Vota uma vez de um jeito e outra vez de outro. Em Minas Gerais ficaríamos desconfiados, somos um povo muito desconfiado. Mas nem sempre a estrada dos votos é uma estrada de ferro, retinha, ela é muito tortuosa ? afirmou a petista, acusando o presidente Michel Temer de fazer “imensa pressão” sobre senadores indecisos:

? Sei que tinha muitos senadores indecisos, desconfiados de que esse processo não era o que pintavam. Mas sobretudo sei que o governo interino fez uma imensa pressão sobre senadores das bancadas mais variadas.

Dilma Rousseff, agora na condição de ex-presidente da República, afirmou que a cassação de seu mandato foi uma condenação à “pena de morte política”. Ela lembrou que é a segunda vez que teve julgados os seus direitos políticos ? a primeira foi durante a ditadura militar e disse que é comum no Brasil julgamentos com “dois pesos e duas medidas”. Para a petista, o fato de não ter sido condenada na segunda votação não “atenua o golpe parlamentar”.

? Você tem um impeachment sem crime de responsabilidade, afasta uma pessoa inocente e tira seus direitos políticos por oito anos também sem crime de responsabilidade? O maior contrato que existe é entre o governo e seu povo, e ele é rompido de todas as formas. O fato gravíssimo é que me condenaram à pena de morte politica, a maior que um brasileiro ou brasileira pode ter. A democracia foi julgada comigo, e infelizmente nós perdemos.

Dilma criticou Michel Temer e voltou a chamá-lo de golpista, afirmando que há “inconformidade” do presidente em ser chamado como tal. Ela colocou na conta de Temer a forte repressão policial aos protestos que pedem a saída do peemedebista do governo. Segundo ela, o autoritarismo vem do “medo das palavras”:

? Sempre convivemos com manifestações contrarias, mas jamais tivemos atitudes antidemocráticas desse tipo. Não é possível que não se possa falar o que se quer. Exemplo: ‘Fora, Temer’. Quando você começa a ter medo das palavras é que inicia o processo repressivo, arbitrário, autoritário ? atacou, criticando também a condução de Temer como presidente, já que ele não estaria implementando o programa da chapa eleita nas urnas.

‘EMAS DO ALVORADA’

A ex-presidente refutou a tese de que sua absolvição na votação sobre a elegibilidade para cargos públicos possa beneficiar Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A petista afirmou que “até as emas do Alvorada” sabem que parlamentares não são julgados com base na Lei do Impeachment.

? Me desculpem, mas até as emas do Alvorada sabem que para mim e para ministros do STF a lei é uma, e para deputados e senadores é outra ? afirmou, negando qualquer brecha legal que possa salvar o ex-presidente da Câmara:

? Não, não mesmo, essa não.

Segundo Dilma, as mesmas emas do Alvorada, “muito fofoqueiras”, brincou, já comentam que a votação que pode cassar o mandato de Cunha, marcada para 12 de setembro, pode ser adiada para novembro.

? Essas emas são fofoqueiras, porque todas estão dizendo que a votação será em novembro ? respondeu, quando José Eduardo Cardozo tentou corrigi-la ao dizer que a votação será em setembro, não em novembro.

Dilma negou ter qualquer mágoa com o PT, que inicialmente não apoiou a sua tese de um plebiscito para a realização de novas eleições, mas que defendeu isso nesta sexta-feira, em reunião em São Paulo. Ela disse ainda ser “sem pé nem cabeça” histórias de desgaste na relação com o ex-presidente Lula.

? Mudar de posição é da vida. Eu cansei de mudar, você não? O PT tomou uma posição e depois mudou, não tenho nenhuma mágoa. E desistam de tentar me indispor com o Lula.

GAFES

Bem humorada, ao lado de Cardozo, Dilma chegou a cometer algumas gafes e fazer brincadeiras. Questionada por um jornalista estrangeiro sobre uma questão jurídica do processo, olhou para Cardozo e disse:

? Essa é para você. ‘Vai que é tua, Taffarel’.

A petista continuou:

? Taffarel não era chileno? ? perguntou a uma jornalista latina, relembrando os feitos do goleiro no Inter, que teve papel decisivo para a seleção brasileira em Copas do Mundo.

Ao ser informada por Cardozo que o goleiro é gaúcho como Dilma, a ex-presidente se desculpou:

? Ih, não, confundi. Como dizem no Rio Grande do Sul, ‘loqueei’.