Ainda cedinho, antes do sol subir e começar a esquentar a terra paranaense, chia uma chaleira com a água no ponto para preparar um chimarrão em milhares de lares. Em muitas regiões do Estado, o hábito é recorrente, inclusive preferido antes mesmo que o café ou outra bebida quente. É fato que a erva-mate faz parte da identidade estadual, integrando até mesmo a bandeira do Paraná, atualmente o maior produtor nacional da matéria-prima para o chimarrão.
O hábito de consumir a bebida guarda em si um traço que se tornou preocupante com a pandemia do novo coronavírus: o compartilhamento da cuia. Hoje, uma lembrança distante, o chimarrão era presença obrigatória (e compartilhado) em lojas agropecuárias, cooperativas, bancos, escritórios e outros estabelecimentos.
Com o coronavírus rondando, no entanto, o hábito diminuiu bastante, como forma de prevenção. E esse parecia ser o prenúncio de um golpe na cadeia do mate. Mas foi justamente o contrário. Produtores de erva e indústrias do Paraná apontam um aquecimento do mercado, por conta de as pessoas estarem mais em casa, com mais tempo para preparar a bebida, e também a adaptação para a cuia individual.
Maior procura
Produtor de erva-mate em folha em Bituruna, na região Sul do Paraná, Leandro Franchin cultiva em torno de 80 hectares. No caso dele, que produz em pomares nativos, a demanda por esse tipo de folha in natura costuma ser mais constante. Ainda assim, a região vive em uma atmosfera de entusiasmo nos últimos meses.
“Temos visto o mercado aquecido na região e podemos dizer claramente que teve um aumento da procura pelo produto, com mais indústrias ervateiras vindo buscar”, avalia Franchin. De acordo com o produtor Leonardo Leanz, que cultiva em torno de 240 hectares de erva-mate nativa no mesmo município, nas primeiras semanas da pandemia, o setor sentiu o baque, com a desaceleração da economia. Mas, rapidamente, o mercado voltou ao normal e, agora, vive uma boa expectativa. “O pessoal falou que ia ter demanda maior, porque em vez de compartilhar a cuia, o cidadão vai tomar o mate individual”, aponta Leanz.
Indústria
Das lavouras, a folha segue para as ervateiras como a da família de Luiz André Shultz, administrador da Verde Real. A empresa processa em torno de 250 a 350 mil quilos de erva em folha por mês. O empresário revela que teve um aumento de até 15% na demanda pelos seus produtos, comercializados principalmente na região das Missões, no Noroeste do Rio Grande do Sul.
“A matéria-prima ficou mais difícil de conseguir, com mais gente comprando. Parte da explicação para isso é o pessoal ficar mais em casa, em home office, o que diminuiu a questão do compartilhamento no próprio local de trabalho. Antigamente você ia em lojas e sempre tinha o chimarrão compartilhado, negócio que terminou”, comenta Shultz.
Cotação
O preço da arroba da erva-mate em folha fechou agosto de 2020 em R$ 17,26, maior valor desde novembro de 2019, quando atingiu R$ 17,31. Trata-se uma reação considerável nos valores pagos aos produtores, já que a arroba chegou a valer R$ 15,98 em março de 2020, quando ainda não havia reflexos da pandemia.
Soma de fatores explica esse resultado positivo
Para o presidente do Conselho Gestor da Erva-mate (Cogemate) do Vale do Iguaçu, Naldo Hiraki Vaz, a mudança de comportamento, com o uso da cuia individual, pode ter tido um pequeno efeito na demanda do chimarrão. Mas, há uma série de fatores que influenciam no bom momento vivido pela erva mate.
“A pandemia fez as pessoas ficarem mais em casa e isso aumentou bastante o consumo nos três grandes consumidores de chimarrão no mundo: Brasil, Argentina e Uruguai. Todo mundo está em casa, toma um mate, faz outro, diferente no escritório que não dá muito tempo. E tem ainda o fato que muitos estão tomando em cuias individuais”, descreve Vaz.
Um segundo aspecto, para o dirigente do Cogemate, é a questão do estoque regulador da Argentina. “Eles estão com uma reserva baixa do produto. Isso por causa do aumento do consumo durante a pandemia. Além disso, a Argentina é um dos maiores exportadores de erva-mate para o mundo. Ou seja, passaram a exportar mais também e, para suprir a demanda, foram obrigados a comprar de outros lugares, ou seja, do Paraguai e do Brasil”, analisa.
Por último, houve ainda problemas climáticos no país vizinho que, pelo segundo ano, afetaram a produtividade. “Além do aumento da demanda e estoque baixo, a Argentina vem passando por alguns anos com problemas de estiagem, com desdobramentos em uma produção menor”, finaliza Vaz.
Fonte: Faep