Cotidiano

Com crescimento acelerado, Estácio acirra disputa no setor

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SÃO PAULO e RIO – A Estácio Participações, segunda maior instituição de ensino superior do país, montou um comitê para avaliar as duas propostas de fusão que recebeu nos últimos dias. Os interessados são dois concorrentes: a Kroton Educacional, a maior do segmento, que anunciou seu interesse no grupo na quinta-feira, e a Ser Educacional, terceira nesse mercado, que, no domingo, informou ter entrado na disputa pelo grupo do Rio.

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O movimento refletiu nos papeis das empresas na Bolsa. Ontem, a Estácio ON subiu 4,67%, fechando em R$ 14,54. Enquanto a Kroton caiu 2,15%, a R$ 12,70. A Ser Educacional, fora do índice de referência Ibovespa, fechou em alta de 1,71%, a R$ 12,50, mas chegou a disparar 13,67%.

A Estácio atrai a atenção de outros grupos por causa do seu crescimento acelerado (em número de alunos) no ensino à distância (EAD), que tem custo baixo e é focado na classe C. Além disso, tem boa distribuição regional e tem cerca de 80% de seus alunos cadastrados no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que funciona como um antídoto contra a inadimplência.

? A Estácio está parecendo moça bonita, com todos de olho. Outro fator que pesa é o poder da marca ? diz Carlos Monteiro, da CM Consultoria.

RETOMADA DE FUSÕES NO SETOR

Apesar de todos os pontos positivos, a Estácio tem gestão financeira pouco eficiente quando comparada à Kroton e à Ser Educacional. Romário Dazel, consultor na área de mercado educacional da Hoper, cita que, enquanto a Estácio gasta 40% de sua receita com o pagamento do corpo docente, suas duas concorrentes não desembolsam mais que 25%.

? Para a Estácio, esse negócio (a associação com uma das concorrentes) pode trazer um grande ganho de eficiência ? diz ele.

Bruno Giardino, analista do Santander, explica que a dupla proposta de casamento à Estácio marca uma retomada no movimento de fusões e aquisições no setor de educação superior, mas em novos moldes: os grupos abertos focam em combinação de negócios entre eles, no lugar da compra de grupos fechados.

? Em 2014 e 2015, houve um congelamento de parte do fluxo de pagamento dessas empresas, com a mudança das regras do Fies. Isso afetou o caixa das companhias em meio à piora na economia. E o pessoal engavetou projetos. Em 2016, com sinais de regularização do Fies, os negócios estão voltando. Mas o preço das empresas com ações em bolsa ficou depreciado, e as de capital fechado pedem preços altos.

O Brasil tem quase 2,1 mil instituições de ensino superior privado, que concentram 75% dos alunos dessa faixa. As operações de fusão e aquisição, com a chegada de estrangeiros ao país, começaram a crescer em 1996, quando houve a sanção da lei que permitiu a abertura de capital de universidades com fins lucrativos. A onda mais forte de consolidação teve início em 2007. A primeira grande fusão de empresas abertas foi a de Kroton e Anhanguera, anunciada em 2013.

Levantamento da CM Consultoria mostra que, caso a Estácio se una com a Kroton, seria formada uma empresa de R$ 24,9 bilhões em valor de mercado e 1,6 milhão de alunos. Já a combinação de negócios com a Ser resultaria numa empresa com R$ 5,83 bilhões de valor de mercado e cerca de 750 mil alunos.

Analistas do setor avaliam que a união com a Kroton geraria uma companhia de maior valor. De outro lado, a Ser fez oferta atrativa, com combinação de ações entre as duas companhias, além do pagamento de dividendos aos atuais acionistas da Estácio de R$ 590 milhões.

?Supomos que o negócio (Ser e Estácio) é mais provável de acontecer já que a combinação enfrentaria menos restrições por parte do Cade devido ao menor tamanho da Ser?, pondera relatório da BB Investimentos. Juntas, reuniriam as duas maiores operações de ensino superior do Norte e do Nordeste do país, com atuação complementar. No caso de Kroton e Estácio, haveria concentração relevante no ensino à distância, o que pode representar problemas para aprovar o negócio.

Relatório da Bradesco BBI afirma que a Ser tem um acordo com melhores condições e que resultaria num grupo que deixaria 68,7% da companhia nas mãos dos atuais acionistas da Estácio. Destaca, ainda, que a Kroton está em posição mais forte para oferecer melhor acordo aos acionistas do grupo do Rio, mas teria de melhorar sua oferta.

RISCO À QUALIDADE DE ENSINO

Procurada, a Estácio não comentou. Em comunicado ao mercado, informou ter constituído um comitê para avaliar, negociar e formular propostas. E contratou o Banco BTG Pactual como assessor financeiro e o escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados como assessor legal.

Otaviano Helene, professor do Instituto de Física da USP, ex-presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp) e do Inep/MEC, critica o processo de consolidação das instituições de ensino, afirmando que, ao se tornar um negócio, o nível educacional cai fortemente:

? A consolidação é um processo prejudicial. A instituição privada oferece o curso financeiramente viável para ela. Descobriram que o investimento na educação traz um retorno superior a muitos investimentos no setor produtivo. Segundo especialistas, esse retorno é de 10% a 20%. Ou seja, o investimento se paga entre cinco e dez anos.