RIO – Outrora uma aguerrida comandante das FARC e hoje defensora da paz, “Karina” – antigo nome de guerra de Elda Neyis Mosquera, de 48 anos – clama pelo fim do conflito “absurdo” entre guerrilheiros e o governo da Colômbia. No entanto, Mosquera acredita que o país ainda não está preparado para a paz. Um acordo histórico celebrando o cessar-fogo entre as duas partes foi assinado nesta quinta-feira em Havana, Cuba.
Mosquera se entregou às autoridades em 2008, encerrando sua vida como “Karina” após 24 anos nas fileiras da guerrilha. Desde então, a colombiana, hoje com 48 anos, cumpre uma pena de justiça transicional (regime específico para situações de guerra) na Brigada 17 do Exército colombiano, em Carepa, onde costura uniformes para os militares.
? Falta que as pessoas desarmem seus corações, e esse é um trabalho árduo a ser feito ? afirmou Mosquera em entrevista à agência de notícias France-Presse.
Confira, a seguir, mais trechos da entrevista:
O que você pensa do processo de paz?
Penso que deveria ter sido feito há muito tempo. Mas era agora ou nunca: as Farc estavam muito debilitadas, haviam perdido seu rumo, deixado de lutar pelo povo para agredir o povo. E agora a Colômbia tem que estar preparada para um pós-conflito muito duro, porque este é um país burguês e as Farc querem o poder. Como não conseguiu através das armas, terá que conquistá-lo pela política. E aqui vai haver muito derramamento de sangue para se chegar ao país que as Farc querem, que é um país comunista, socialista, com muitas transformações.
É possível imaginar os líderes das Farc na vida política?
É isso que eles buscam. Mas vejo a experiência de outros grupos desmobilizados, do EPL, do M-19, e vejo pouquíssima gente na política. Quando me desmobilizei, dizia: “Se o povo me eleger para ser prefeita, talvez eu aceite”. Hoje digo que não, porque a política é corrupta. E para alguém produzir mudanças profundas ou ajudar a sociedade não é necessário ocupar cargos políticos.
Arrepende-se de algo?
Arrependo-me completamente. De ter ingressado nas Farc, de ter me deixado levar pela rebeldia da juventude, de todo o mal que fiz. Tomara que Deus me dê vida para ressarcir o dano que causei. A disciplina das Farc faz qualquer um cometer erros, e me arrependo de tudo isso. Pedi perdão às vítimas. Quando se está na guerra, acreditamos que tudo o que fazemos está certo, não sabemos a dor que causamos.
Teme represálias das Farc?
Sim. Mas, se vamos fazer uma reconciliação, temos que nos reconciliar com os que chamamos de traidores e inimigos. Há oito anos me converti em inimiga das Farc. Dentro das Farc, passei 24 anos pensando que o Exércio representava o mal, e depois de desmobilizada levei mais dois anos com essa mentalidade. Mas vejo que são seres humanos iguais a qualquer um.
Em breve se encerrá sua pena de justiça transicional. Você permanecerá na Colômbia?
Tudo depende das condições do país. Não sei se ocorrerá a suspensão da pena neste ano, tenho que resolver algumas questões com a justiça comum. Mas, para viver tranquila, outro país pode ser uma opção. Não decapitei pessoas, não joguei futebol com a cabeça dos mortos, não castrei. De tudo isso me acusam. Se Deus me desse a oportunidade de permanecer no país para seguir lutando para que a Colômbia não viva o que vivi, seria maravilhoso. Enterrei Karina há muito tempo.
Você gosta de ser gestora da paz?
Sim, assumi esse compromisso em 2009. Fiz um plano que foi aceito pelo então presidente Álvaro Uribe para prevenir o recrutamento, trabalhar pela desmobilização, a reconciliação. O que acontece é que há pessoas que não são capazes de perdoar. Digo por minha experiência e pela de outros desmobilizados. A Colômbia não está preparada para a paz. Falta que as pessoas desarmem seus corações. É um trabalho árduo que deverá ser feito.