CANNES Dois anos após sair de Cannes com o prêmio especial do júri (dividido com o lendário Jean-Luc Godard) pela direção de Mommy, Xavier Dolan retornou ao festival francês como um dos potenciais favoritos a Palma de Ouro da 69ª edição do evento. Mas esse era o sentimento geral antes das primeiras projeções de Juste la fin du monde, o sexto longa do jovem canadense de 27 anos, exibido nesta quinta-feira para a imprensa. Depois das primeiras sessões, Dolan rapidamente voltou para o fim da fila da corrida pelos prêmios, que serão anunciados na noite de domingo.
Conhecido por suas narrativas exasperantes e cheias de música, Dolan parece ter exagerado o estilo ao ponto da incompreensão. Juste la fin du monde é uma adaptação da peça de Jean-Luc Lagarce, sobre um jovem escritor que, depois de 12 anos longe da família, volta para a casa materna para anunciar que em breve vai morrer. O problema é que tanto o protagonista quanto a mãe e os irmãos demonstram profunda incapacidade de expressar qualquer tipo de ideia ou sentimento, tornando um encontro numa experiência aborrecida para o espectador.
Não era exatamente o que planejava Louis (Gaspard Ulliel) que, no voo a caminho da cidade onde mora a família, planeja reencontrar as raízes e aparar arestas do passado. A visita, no entanto, revela-se um desastre, já que eles não conseguem verbalizar os ressentimentos gerados pela longa separação. Antoine (Vincent Cassel), o irmão mais velho, reage com agressividade a qualquer tentativa de contato; Suzanne (Léa Seydoux), a irmã mais nova, é extremamente emotiva; Martine (Nathalie Baye), a mãe, demonstra distância; e Catherine (Marion Cotillard), a cunhada, mal consegue pronunciar palavras sem gaguejar.
O mais fascinante do texto de Lagarce é o nervosismo que os personagens parecem demonstrar e, quando conseguem expressar, geralmente é sobre coisas inúteis. Eles falam e brigam sobre tudo, exceto sobre o que realmente sentem ou desejam profundamente dizer explicou Dolan, que foi apresentado à peça há seis anos pela amiga e atriz Anne Dorval (de Mommy), e só há dois decidiu transformá-la em filme. Na primeira vez que a li, não me identifiquei com os personagens. Acho que não estava maduro o suficiente para entendê-la.
A disputa pela Palma voltou a níveis competitivos com a exibição de Bacalaureat (formatura, em tradução livre), de Cristian Mungiu. É uma história sobre escolhas morais tomadas em situações limites, como a de 4 meses, 3 semanas e 2 dias, que em 2007 deu a vitória em Cannes ao diretor romeno. A trama é construída em torno da figura de Romeo Aldea (Adrian Titieni), médico de uma pequena cidade da Transilvânia, que preparou a filha para ganhar uma bolsa de estudo para estudar na Inglaterra, após a conclusão do colegial.
Às vésperas dos exames finais da jovem, um incidente põe em risco os planos de Romeo para garantir o futuro da adolescente longe da Romênia. Há formas de contornar o problema mas, num país cujo cotidiano é cercado de pequenos atos de corrupção e distribuição de propinas, tudo compromete os princípios que ele, como pai, ensinou para a filha.
A história de Romeo é também uma história sobre uma sociedade e suas instituições. Há uma relação entre compromisso, corrupção, educação e pobreza? questionou Mungiu. O filme fala de um pai que escolhe o que ela acha ser o melhor para a filha, seja aprendendo a viver no mundo real, ou a lutar da forma que for possível para mudar o mundo.
* Carlos Helí de Almeida está hospedado a convite do Festival de Cannes