Estimativas da SBGM (Sociedade Brasileira de Genética Médica) apontam cerca de 13 mil pacientes com doenças raras no Brasil. Por trás desse número estão doenças complexas e de difícil diagnóstico que envolvem histórias de luta pela garantia de direitos e melhor qualidade de vida. Nesse contexto, estão os pacientes com Mucopolissacaridose, as MPS, doença genética rara pertencente às enfermidades do grupo de erros inatos do metabolismo. Para gerar conhecimento sobre o tema e engajar a sociedade na causa das doenças raras, foi criado o #MPSDAY, Dia Mundial de Conscientização sobre as MPSs, celebrado em 15 de maio.
A doença se caracteriza pela produção insuficiente de enzimas que eliminam os glicosaminoglicanos (GAGs). O acúmulo dessas substâncias nas células acarreta no mau desempenho das funções de vários órgãos e desenvolve complicações respiratórias, comprometimento esquelético e dificuldade motora, auditiva e visual 1. “São doenças que diminuem a qualidade e a expectativa de vida do paciente. Sua rápida progressão pode ser controlada por meio de tratamento e acompanhamento específico, que deve ser iniciado o quanto antes. Por isso, o diagnóstico precoce é crucial”, diz a médica geneticista da SBGM Carolina Fischinger.
Observando a importância do tratamento, a recente falta de medicamento para pacientes raros se torna um ponto sensível. As infusões costumam ser feitas semanalmente e não podem ultrapassar dez dias de uma para a outra, caso contrário, o acúmulo de GAGs se acentua.
Jornada para o diagnóstico
Apesar de 80% das doenças raras serem de origem genética, o número de médicos brasileiros especialistas na área ainda é pequeno para atender a população. Além disso, existe o pouco conhecimento tanto por parte da sociedade quanto dos profissionais da saúde: “Talvez, o que assusta familiares e até os profissionais de saúde não é a raridade, mas a gravidade e a progressão das MPS. A criança tem um desenvolvimento muito distinto se comparado com outras da sua idade, e até mudanças na aparência, que afetam a sociabilidade e a inclusão”, explica a médica Carolina Fischinger.
Esse foi o caso de Dudu Próspero, 28 anos, com MPS VI. A jornada começou com seu irmão mais velho, Niltinho, diagnosticado com a doença aos cinco anos de vida. “Embora já existisse uma investigação acerca da condição do meu irmão, eu não tinha características tão explícitas. Isso acabou passando despercebido pelos médicos e meu diagnóstico foi difícil”, comenta.
Em uma das consultas em que a mãe levou os irmãos ao pediatra, veio a confirmação de que ambos tinham MPS VI.
Aveline Rocha, mãe de três meninos com MPS II, conhece de perto o que a mãe de Dudu passou. Seu primeiro filho, Maycon, hoje com 11 anos, foi diagnosticado com MPS II aos cinco anos, quando Aveline já esperava o segundo filho, Matheus. “Fomos a uma consulta com uma otorrino e ela me perguntou se eu nunca havia reparado na mãozinha dele ou se percebi alguma característica diferente e eu disse que não, daí ela me disse que ele poderia ter uma síndrome e me indicou para uma geneticista”, relata. “Depois que veio a confirmação do Maycon, a médica me disse que teríamos de examinar o Matheus quando ele nascesse e aos cinco meses ele foi diagnosticado também com MPS II”, conta Aveline.
Após a segunda gestação, a estudante de enfermagem optou por ligar as trompas, mas, enquanto aguardava pela cirurgia, acabou engravidando de Marlow, também diagnosticado com a doença.
Desafios
É comum que mesmo depois da constatação, os desafios de acesso a tratamento e atendimento médico continuem. No caso de Dudu, a batalha dos pais era para manter os filhos vivos, preservando ao máximo a qualidade de vida deles. “Eu não tive uma progressão tão grave quanto a do meu irmão, que faleceu aos seis anos. Porém, a partir dos meus cinco anos, a doença começou a avançar”. Dudu perdeu a visão e a audição e teve o comprometimento do sistema respiratório.
Na época em que Julia Rezende, 20 anos, foi diagnosticada com MPS VI, não existia tratamento para impedir a rápida progressão da doença. A paciente desenvolveu problemas cardíacos e respiratórios graves, passando por sete cirurgias ao todo. Com o avanço das pesquisas e a chegada de medicamento específico, o quadro dela se estabilizou: “O resultado mais importante foi em relação à dilatação dos órgãos, em especial do fígado e do baço. Embora ainda tenha dificuldade para respirar, o cansaço diminuiu e consigo seguir minha vida”, comenta.
Desespero
O diagnóstico de MPS II foi um baque para a família Rocha: “Quando recebemos o diagnóstico do Maycon eu fiquei sem chão, imaginava mil coisas. Depois que a doutora me explicou a doença e conheci melhor, fiquei mais calma e agradeci por ter tratamento”, relata Aveline. “Hoje os três vão à escola, o que muda é que além de tudo que as crianças passam, nós temos toda a logística de médicos e tratamento, mas aprendemos a viver com a doença”.
O que temos pela frente?
Hoje os pacientes de MPS têm uma condição de vida melhor se comparado a um passado não muito distante. São muitas conquistas, mas ainda há muito o que fazer para trazer melhorias àqueles que não têm tratamento disponível. “Precisamos avançar em disseminação da informação, políticas públicas e acolhimento. Desabastecimento ainda é um problema a ser tratado com o governo. Acreditar que um mês sem remédio não fará diferença é ter certeza de que este não conhece o problema ou não se importa com os doentes”, reclama Regina Próspero, mãe de Dudu e presidente do Instituto Vidas Raras.
O preconceito e o medo do desconhecido são barreiras que ainda precisam ser enfrentadas. “A discriminação da própria família ainda é frequente. Muitas vezes, não se entende o avanço da doença e o quanto é perigosa”, afirma Regina.
Em lugares públicos, ainda existem resistências e questionamentos. “A população tem que aprender a lidar com as diferenças, precisamos gerar informação para que isto não aconteça mais”, complementa Julia.
#MPSDAY ganha mascote
Este ano, o #MPSDAY vem com uma campanha linda e engajadora para ajudar a disseminar conhecimento e informações sobre o universo das doenças raras: o Mascote dos Campeões.
Nos últimos meses, crianças pacientes de MPS do Brasil e alguns países da América Latina foram convidadas a desenhar seu mascote favorito, como forma de representar sua história, lutas e conquistas no dia a dia com a doença. Em oficinas de desenho, usaram toda sua criatividade e as criações agora podem se tornar reais. Por meio de votação, disponível no website da campanha (http://www.mpsday.com.br/), é possível eleger os mascotes que serão premiados pela campanha. A votação já está no ar, é só entrar e participar!
Além da campanha “Mascote dos Campeões”, várias ações serão realizadas de norte a sul do País para celebrar o dia 15 de maio e levar mais conhecimento sobre as MPS à população. Estão envolvidos na causa associações de pacientes, hospitais, centros de infusão, universidades, secretarias de saúde, sociedades médicas, entre outros públicos.
Sobre a SBGM
A Sociedade Brasileira de Genética Médica é uma entidade civil, de caráter científico e normativo, sem fins lucrativos, composta por em sua maioria por médicos, mas também por outros profissionais comprometidos com a prática da Genética Clínica e na atenção de pacientes com doenças genéticas raras ou não. Sua missão é desenvolver e sustentar iniciativas em genética clínica e estabelecer o paradigma da medicina genômica por meio de declarações políticas e diretrizes baseadas em evidência; oferecer educação e ferramentas para os médicos geneticistas, profissionais da saúde e sociedade, além de trabalhar com os responsáveis políticos para apoiar a aplicação da genética na prática médica.