BRASÍLIA – Ainda que previdência seja o maior problema das contas de todas as esferas de governo, Temer mandou retirar os estados e municípios da sua proposta de reforma, pois deveria respeitar a sua autonomia. (Ou porque estaria havendo muita pressão das partes afetadas nas regiões…)
Isso é um tiro certeiro nos governadores, pois controlam uma parcela ínfima do seu orçamento, e os verdadeiros donos deste conseguiram transferir para eles a responsabilidade pelo pagamento das elevadas aposentadorias e pensões estaduais. De Brasília, agora, solidariedade zero.
Em adição, estamos mais próximos de um Estado unitário do que de um regime federativo. A União assumiu quase toda a dívida subnacional sob contratos leoninos, e qualquer endividamento novo tem de ser submetido inicialmente ao Ministério da Fazenda. Graças a isso, um quarto do esforço fiscal total do país foi gerado nos estados e municípios, em 2003/13.
Para completar, diante da maior recessão de nossa história, enquanto emite moeda maciçamente para financiar seus próprios déficits, a União vem dizendo aos estados que se ajustem como puderem. Ou seja, sem financiamento, que atrasem pagamentos ? essenciais ou não. Só o Rio de Janeiro, pior caso, e graças à ministra Cármem Lúcia, teve um pequeno refresco, mas não se sabe se vai funcionar.
Quanto às pressões, maiores ainda serão as dos servidores federais, pois estes estão mais próximos do Congresso reformador. Prevejo que os chamados poderes autônomos (basicamente Judiciário e MPU, hoje turbinados pelo combate à corrupção, além do Legislativo) usem o mesmo mote como forma de se livrar da reforma. Depois disso, o que vai segurar o grosso dos civis, já que os militares há muito foram deixados de fora? Ao final, antes de apagar a luz, alguém vai dizer: por que reformar o regime geral (INSS), se é nele que se situam os menores pagamentos?
Ou seja, do alto do comando central, jogamos aos leões o maior problema do país ? previdência ? e fingimos de mortos diante da crescente deterioração dos serviços públicos nas administrações regionais, atingindo ares de calamidade em determinados centros urbanos, como o da cidade do Rio.
Aliados do governo até agora, os mercados vão se dar conta de que há algo errado no Reino da Dinamarca, pois a conta gigantesca a ser paga como consequência da má gestão de tudo isso acabará caindo mesmo no colo do governo central, que é o todo poderoso senhor da situação. Basta que, sem receber salários, mais policiais se insurjam. Daí à estaca zero é um passo.
*Raul Velloso é economia e especialista em contas públicas