Cotidiano

Artigo: Abbas Kiarostami transitou com poesia por ficção e doc

RIO — Criação por subtração. Era o que movia o cineasta iraniano Abbas Kiarostami, artista minimalista por excelência, que nos deixa como legado uma obra que sempre transitou com muita poesia pelas fronteiras difusas que hibridizam ficção e documentário, atingindo um paroxismo de esplendor linguístico em “Close-up” (1990), um dos filmes mais importantes das últimas décadas.

Kiarostami acreditava que toda limitação estimula a criatividade, até mesmo os entraves orçamentários. “Você se concentra no que é mais importante, como um detento que fica manipulando miolo de pão e pode sair da prisão como um grande escultor”, afirmou em oficina que ministrou na Faculdade de Cinema da FAAP, em São Paulo, durante a Mostra Internacional de Cinema de SP, em 2004, e que gerou o curta-metragem “O mestre invisível”, realizado em parceria com o saudoso amigo Leon Cakoff.

Discípulo assumido de Robert Bresson e Yasujiro Ozu, Kiarostami também apreciava planos fixos, pois tinha resistência a movimentações de câmera, que chamavam a atenção do público para o fotógrafo e também para o cineasta. Dizia que o maior elogio que recebeu na vida foi num aeroporto, onde duas pessoas o apontaram como o diretor de “Onde fica a casa do meu amigo?” (1987). “Aquele filme tem diretor?”, uma delas perguntou.

Kiarostami queria desaparecer de seus filmes. Adorava filmar em carros, onde as possibilidades de posicionamento da câmera são sempre muito “limitadas”. “O ilimitado está na limitação mais absoluta”, afirmou na mesma oficina, ressaltando ainda que o auge de uma arte sem limites é o grafite, com o qual se cria com um mínimo de recursos.

O diretor começou sua carreira artística desenhando pôsteres e fazendo ilustrações para livros infantis, tendo também se dedicado à pintura. Como Robert Bresson e o ensaísta Jean-Louis Comolli, Kiarostami também se debatia de forma lúdica diante de um dos maiores paradoxos da linguagem audiovisual: como sugerir o invisível em uma arte tão visual como o cinema? Ele se perguntava durante a oficina: “Como fazer ver sem mostrar nada? Como fazer um filme em que não se diz nada?”. Uma busca permanente pela poesia, “que não é real, mas nos faz levitar”.

*Jornalista, cineasta e codiretor de “O mestre invisível”, sobre Kiarostami