BRASÍLIA – No dia em que a recondução do jornalista Ricardo Melo à presidência da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) foi determinada pelo Supremo Tribunal Federal, o telejornal da emissora usou o termo ?presidenta?. A forma da palavra no feminino havia sido banida pelo atual presidente da estatal, Laerte Rimoli, nomeado no governo interino de Michel Temer. No início do telejornal Repórter Brasil Noite, da TV Brasil, o jornalista se referiu a Dilma como ?presidenta? durante matéria sobre orçamento. Em outros momentos, no mesmo programa, o termo foi usado na forma masculina.
A mudança determinada por Rimoli simboliza as disputas políticas em torno da EBC. Há quem, na gestão Temer, considere a emissora ?cabide de empregos? de simpatizantes do governo petista e, inclusive, defenda sua extinção.
Com a decisão do Supremo determinando a volta de Melo, o clima na emissora era de mais liberdade para escolher a forma de mencionar o cargo de Dilma, se no masculino ou feminino. Mas o imbróglio em torno da direção da EBC está longe do fim, depois que o ministro Dias Toffoli determinou, nesta quinta-feira, a volta de Melo à presidência da estatal.
No mesmo dia da decisão do Supremo, o atual dirigente, Laerte Rimoli, cancelou dois contratos da estatal com a TV dos Trabalhadores, mantida por sindicatos ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Os atos, que podem ser os últimos da gestão de Rimoli à frente da EBC, cancelam um contrato fechado em 2010 e uma cooperação técnica assinada no início deste mês com a TV dos Trabalhadores. Ambos previam compartilhamento de conteúdo, sem repasse de recursos. A parceria mais recente foi firmada por Melo, nomeado por Dilma no último dia 3, às vésperas da votação do impeachment. Ele ficou no cargo por apenas 14 dias, quando foi exonerado por Temer.
Para Rita Freire, presidente do Conselho Curador da EBC, muitos dos atos de Rimoli terão de ser revistos, inclusive os que extinguiram os contratos com a TV dos Trabalhadores, mas ?sem revanchismo?:
– É estranho que uma cooperação técnica que não envolve transferência de verbas e que traz benefícios para a comunicação pública seja suspensa no último dia. Dá a impressão de que há uma intenção política.
No mandado de segurança impetrado pelo próprio Ricardo Melo no STF, ele sustenta que a lei que criou a EBC, bem como o Estatuto da empresa pública, impede a ingerência política na troca de presidente. Algumas regras são apontadas, tais como o estabelecimento de um mandato de quatro anos não coincidentes com o ?governo de plantão? e a definição de situações específicas para justificar a exoneração do cargo.
O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, esteve hoje no Supremo Tribunal Federal para comunicar que o governo irá recorrer. A argumentação elaborada pelo Palácio do Planalto consiste em dizer que a liminar foi concedida comparando a EBC a uma agência reguladora, mas que a empresa de comunicação, na realidade, não cumpre esta função, já que não faz fiscalização de qualquer órgão governamental. Além disso, a defesa argumentará que a EBC está deficitária no período recente.
? Nossa alegação é de que o presidente tem competência para fazer essa troca. A liminar foi dada comparando a EBC com uma agência reguladora. Mas, qualquer dirigente de agência reguladora passa por sabatina, pela aprovação do Senado, tem que ter chancela do Legislativo, pois cumpre a obrigação de fiscalizar. Na EBC, a atividade é noticiosa, é completamente diferente. É uma prestação de serviço púbico, não de regulação de empresas. A EBC não regula o setor de televisão ? afirma uma fonte do governo.
Parte da argumentação já havia sido apresentada antes do julgamento da liminar. Mas não convenceu Toffoli. Segundo ele, a análise das leis relacionadas ao caso parece mostrar que ?a intenção do legislador foi exatamente a de garantir certa autonomia ao corpo diretivo da EBC?. O ministro também citou jurisprudência da própria Corte na decisão garantindo a Melo que retorne ao comando da empresa até o julgamento do mérito da ação pelo tribunal. A recondução, entretanto, só pode ser feita após as partes serem notificadas.