RIO ? Em um novo apelo por soluções para a atual crise migratória, a Anistia Internacional (AI) pediu que mais países ricos tomem iniciativas para acolher refugiados no mundo. Hoje, apenas dez nações ? que representam menos de 2,5% do PIB mundial ? recebem 56% da população refugiada no mundo, segundo o relatório da organização publicado nesta terça-feira. E, enquanto isso, quem foge da guerra e da pobreza enfrenta pesadelos humanitários, sobretudo, na rota da imigração.
Para amenizar a pressão sobre os países acolhedores, a proposta da ONG é estabelecer cotas de quantas pessoas cada governo deve receber anualmente para oferecer um lar a 10% da população global de refugiados. O argumento é que é necessário encontrar uma solução prática e equitativa para a crise, com base em um sistema que utiliza critérios objetivos e relevantes.
O Reino Unido, por exemplo, recebeu menos de 8 mil refugiados da Síria desde 2011, quando eclodiu a guerra civil que assola até hoje o país do Oriente Médio. Enquanto isso, a Jordânia abriga mais de 655 mil sírios ? embora tenha uma população quase 10 vezes menor do que o Reino Unido e seu Produto Interno Bruto (PIB) corresponda a 1,2% da produção de riquezas britânica.
Por sua vez, o Líbano dá abrigo a mais de 1,1 milhões de refugiados sírios ? uma grande quantidade para uma país de 4,5 milhões de habitantes divididos em 10 mil quilômetros quadrados de extensão. Já a Nova Zelândia recebeu apenas 250 pessoas, embora sua população tenha a mesma dimensão da libanesa e seu território tenha 268 mil quilômetros quadrados. E a Irlanda ? com 4,6, milhões de habitantes, extensão sete vezes maior que o Líbano e economia cinco vezes superior ? até agora só recebeu 758 refugiados sírios.
?Apenas 10 dos 193 países do mundo são o lar de mais da metade dos refugiados. Alguns países são forçados a fazer muito mais do que podem simplesmente por causa de sua proximidade com áreas de crise. Esta situação é insustentável e resulta em sofrimento e miséria para milhões de pessoas que fogem de guerras e perseguições em países como a Síria, o Sudão do Sul, o Afeganistão e o Iraque?, disse em comunicado o secretário-geral da Anistia Internacional, Salil Shetty.
A organização ainda argumenta que os países ricos devem fazer da solução à crise migratória uma prioridade de investimento. Segundo Shelly, os governos devem justificar por que são incapazes de fornecer locais seguros para milhões de refugiados, enquanto disponibilizam recursos a bancos, novas tecnologias e guerras.
UM BOM EXEMPLO
Na contramão, o relatório indica o Canadá como exemplo de liderança para promover ajuda aos refugiados. Desde novembro de 2015, o governo do primeiro-ministro Justin Trudeau acolheu cerca de 30 mil refugiados sírios. Quase dois terços destes reassentamentos foram financiados pelo governo canadense ? e cerca de 11 mil a mais tiveram acordos de financiamento privado.
No fim de agosto deste ano, já tramitavam outras 18 mil solicitações de pessoas sírias no país, vindas principalmente a partir de Líbano, Jordânia e Turquia.
Atualmente, apenas 30 países desenvolvem programas para realocar refugiados, segundo o relatório. Os números estão bem abaixo das necessidades identificadas pela ONU.
UM PEDIDO URGENTE
Atualmente, o mundo tem 21 milhões de refugiados distribuídos entre diversos países. Para estas pessoas, que buscam proteção de um passado caótico em seus lares, as condições precárias e os abusos generalizados na rota da imigração não são exceção. Em Grécia, Iraque e Nauru, por exemplo, os refugiados permanecem em campos improvisados à espera de abrigo definitivo. O drama se repete na fronteira entre a Síria e a Jordânia: lá estão presos mais de 75 mil refugiados em uma estreia faixa de deserto onde já faltam água e alimentos.
Enquanto isso, refugiados sofrem crescente assédio por parte dos governos de Quênia e Paquistão, denuncia a AI. Ao território paquistanês, chegam cada vez mais afegãos em fuga dos conflitos em seu país. Eles são frequente alvo de hostilidades pelas autoridades, que já forçaram mais de 10 mil pessoas a regressarem à guerra. No Quênia, refugiados no campo de Dadaab são pressionados a voltar à Somália, seguindo um caminho doloroso já percorrido por 20 mil pessoas. O governo pretende reduzir a população de 150 mil refugiados no acampamento até o fim de 2016.
“Se não agirmos, as pessoas vão morrer ? por afogamento ou por doenças adquiridas nos insalubres acampamentos e centros de detenção ou ainda quando são obrigados a regressar às áreas de conflito das quais fugiram?, explica Shetty.
O relatório ainda acusa alguns países da União Europeia e a Austrália de empregar abusos e violações sistemáticas de direitos humanos como uma ferramenta política para manter as pessoas fora de seus países. Em julho de 2016, a AI constatou que 1.200 homens, mulheres e crianças que continuam detidos no centro de detenção de Nauru, fora do território da Austrália, sofrem graves abusos, tratamento desumano e negligência.