RIO ? O site ?Models.com?, uma referência na indústria da moda, coloca Naomi Campbell no ranking das lendas, ao lado de 16 nomes, entre eles Jerry Hall, Kate Moss e Gisele Bündchen. Descoberta em Londres, numa ?tarde quente de abril de 1986?, como ela mesma costuma contar, Naomi tem se mantido na crista da onda por três décadas ? um feito impressionante num negócio faminto por novidades. Aos 46, completados no último domingo, a inglesa parece mesmo ser à prova do tempo. Sobreviveu ao reinado da estética heroin chic, estava lá quando as brasileiras estouraram, viu a ascensão das modelos russas e não perdeu espaço na atual era das instamodels, como são chamadas as moças com milhões de seguidores nas redes sociais, como Kendall Jenner e Gigi Hadid. Uma vez supermodelo, sempre supermodelo?
? Sou alguém que não pensa em fama ou em fazer algo somente para ser famosa. Nunca fui assim. Concentro-me completamente no processo criativo e artístico ? conta Naomi, que escolheu badalar os 30 anos de carreira com um livro em dois volumes editado pela Taschen. O primeiro reúne imagens de sua extensa trajetória, assinadas por nomes top da fotografia de moda, como Richard Avedon, Helmut Newton, Mert Alas & Marcus Piggott e Steven Meisel. O segundo é uma autobiografia, em que ela relembra sua trajetória na moda. Restrito a mil exemplares e com preço de US$ 1.750, o projeto levou sete anos e meio para ficar pronto.
? Eu queria fazer o livro, mas apenas com Benedikt Taschen (fundador da editora). Era um sonho. Amo o que ele faz, e suas publicações são uma forma de arte ? explica a top.
?Papa? Alaïa
Revelada aos 16 anos por Beth Boldt, da agência Synchro, Naomi não pensava em virar manequim, como eram chamadas as modelos da época. Tinha boa relação com a avó e com a mãe, a dançarina Valerie Morris. Na adolescência, estudou dança e teatro, sempre ?vivendo o momento?, como gosta de dizer:
? Foi totalmente surpreendente ? diz Naomi, cuja experiência em frente às câmeras até então se resumia a uma participação no clipe da canção ?Is this love?, de Bob Marley. Ela tinha 7 anos. Mais tarde, já modelo consagrada, filmou os clipes de ?Freedom! ’90?, de George Michael, ?Erotica?, de Madonna?, ?In the closet?, de Michael Jackson, e teve o seu próprio (Naomi lançou o álbum ?Babywoman?, em 1994).
Como modelo, seu primeiro grande ensaio veio em 1986, três meses após assinar o contrato com a Synchro. E logo ela estava em Paris.
Recém-chegada à capital francesa, ela conheceu o estilista tunisiano Azzedine Alaïa. A caminho de seu primeiro encontro com ele, Naomi teve a bolsa roubada, episódio que iniciou a amizade entre os dois, que segue até hoje.
Naomi in Rio: top inglesa já esteve até na quadra da Portela
? Alaïa falou com a minha mãe por telefone e a fez saber que se importava comigo e que me protegeria. Ele me chama de filha desde os 16 anos, e eu o chamo de ?papa Alaïa?. Nossa amizade nunca muda. Ele tem tanta força. É uma relação de amor incondicional.
O italiano Gianni Versace foi outro grande incentivador da carreira de Naomi. Seus desfiles, nos anos 90, reuniam todas as supermodelos. Segundo ela, a morte de Versace fez de 1997 ?um dos piores anos de minha vida?:
? Perdê-lo foi bem chocante. Ele nunca me abandonou. Penso sobre as coisas que me dizia, sempre solidário e encorajador. Amo a família Versace. Fico feliz em ver Donatella e Allegra (irmã e sobrinha do estilista, respectivamente). Não há nada que eu não faria por elas ? diz a modelo, que segue uma estrela na Versace. No desfile de alta-costura do inverno 2013/2014, em Paris, ela surgiu na passarela como um furacão. Foi o assunto da semana de moda.
?Eu tinha que ser duas vezes melhor?
De fora, a impressão é que a escalada de Naomi no mundo da moda foi tranquila. Mas ela entrega que, no começo, não era chamada para ?certos desfiles? por causa da cor de sua pele. Assim, entendeu o que ?significava ser negra? e que ?tinha que fazer um esforço extra. Tinha que ser duas vezes melhor?. As amigas Linda Evangelista e Christy Turlington, que também estão na tal lista das modelos lendárias, tomaram a causa para si. Passaram a dizer às grifes que só desfilariam se Naomi fosse convidada. Mesmo com esse retrospecto, ela não fala em racismo. Prefere a palavra ?territorialismo?, mas não dá maior explicação.
? Acostumei-me a desafios ao longo da minha carreira ? afirma ela, mesmo assim, entende que quebrou barreiras. Em 1988, foi a primeira negra a estampar a capa da ?Vogue? francesa. No ano seguinte, foi o rosto da edição de setembro ? a mais importante do ano ? da versão americana da revista. A primeira September issue sob o comando de Anna Wintour.
? Espero que eu tenha dado uma grande contribuição. Mas não acabei. Gostaria de fazer tantas coisas para o mundo com minha filantropia ? promete a britânica, que se inspira em Nelson Mandela:
? Ele era uma fonte de luz e positividade, com quem aprendi muito. Usou seu nome para servir a várias causas diferentes.
?Difícil nascer outra?
As três décadas de carreira de Naomi Campbell também são marcadas por controvérsias. Em 2006, ela atirou um telefone celular em sua então empregada. Acabou tendo que arcar com as despesas médica da ex-funcionária, a prestar serviço comunitário e assistir sessões de terapia para aprender a controlar sua raiva. Em 2008, agrediu dois policiais durante um voo da British Airways. Em janeiro de 2015, correu atrás de um paparazzo em Trancoso.
? Ela nunca teve um temperamento fácil. Mas quem tem? ? questiona a ex-modelo brasileira Betty Prado. ? Conheci Naomi na semana de moda de Milão, no início dos anos 90. O que me chamou a atenção de cara foi a sua personalidade. Existem modelos que desfilam roupas, ela incorporava o look. Mesmo quando caiu na passarela (num desfile de Vivienne Westwood, em 1993), o fez com tanta graça que arrancou aplausos e foi ovacionada.
A estilista Lenny Niemeyer contratou a inglesa para o seu desfile de verão 2003. Segundo a designer, Naomi não é assim tão difícil e tem o corpo ?incrível?.
? Ela é carinhosa e extremamente profissional. Não consigo enxergar essa complicação. Mas vejo pessoas que criam essas dificuldades para elas no dia a dia ? comenta Lenny.
Para Benny Rosset, a história de sua Cia. Marítima se divide entre antes e depois de Naomi, que desfilou para a marca em 1999, no Rio.
? A diferença de trabalhar com uma top model desse calibre é que ela realmente conhece o seu papel, sabe a hora de fazer as coisas. Naomi é um dos maiores ícones da moda e será difícil ter outra como ela ? elogia.
A inglesa é praticamente brasileira. Seu amor pelo país é declarado, vira e mexe ela está por aqui. Uma das experiências mais marcantes de Naomi foi no carnaval de 2005, quando foi destaque na Portela.
? Eu estava muito nervosa. Sempre fico em apresentações públicas ? revela a top, que, na época, teve um affair com o ator Sérgio Marone (sua lista amorosa é de respeito: ela namorou Mike Tyson e Robert De Niro).
A última visita ao país foi em abril, quando foi uma das apresentadoras do baile de gala da amfAR, instituição que arrecada fundos para pesquisas pela cura da Aids.
Dona de beleza exótica (ela tem ascendência jamaicana e chinesa), Naomi não se furta a falar sobre o tempo, um pesadelo para as modelos:
? Maturidade é uma grande coisa. Não me preocupo com a idade ou envelhecimento. Tento viver o hoje.
E ela vive mesmo. Ao lado de Cindy Crawford e Claudia Schiffer está na nova campanha da Balmain. Uma vez supermodelo, sempre supermodelo.