RIO – Houve uma vez, nos Estados Unidos, um grupo de punk rock chamado Dead Kennedys ? o nome, uma cruel piada com a família dos irmãos John e Robert, que encontraram a morte por assassinato quando na presidência, ou tentando chegar a ela. O vocalista do DK, Jello Biafra, chegou a concorrer à prefeitura de San Francisco em 1979 com uma plataforma que incluía, entre outros pontos, a obrigação de que os homens de negócios (como o então Donald Trump) se vestissem de palhaços em seus escritórios. Ele chegou em quarto lugar, com 3,79% dos votos.
Da mesma forma que Biafra, Snoop Dogg (criticado por Trump pelo vídeo em que dá tiros numa representação cômica do presidente) é um bufão, um personagem, encarnado pelo rapper californiano Calvin Cordozar Broadus, Jr.. A violência da vida, Snoop conhece bem: dois artistas do movimento gangsta rap da qual fazia parte, tão gigantescamente famosos quanto ele ? Tupac Shakur e Notorious B.I.G. ? acabaram assassinados numa suposta guerra entre gangues das costas Leste e Oeste. Sem a menor vocação para cadáver, ele se afastou do empresário Suge Knight ? truculento fomentador de tretas mil ? e seguiu sua carreira fanfarronesca com bem-humorados sucessos. Links Snoop
O vídeo de “Lavender (Nightfall remix)” tem um ponto sério, que é a crítica ao assassinato de Philando Castile, negro, de 32 anos, no ano passado, pelo policial que parou seu carro em uma batida, atirou sete vezes contra ele por desconfiar que estava armado, e depois tentou encobrir o crime. Os tiros em Trump são a parte efetivamente cômica do vídeo. Como explicou o diretor do vídeo, Jesse Wellens, “nós só queríamos trazer à tona os palhaços, porque é palhaçada ? é ridículo o que está acontecendo.” SNOOP DOGG – BADBADNOTGOOD
Com a sua reconhecida falta de tato e visão ao dizer que Snoop Dogg estaria preso caso os tiros fictícios fossem em Barack Obama, Donald Trump veste a carapuça e embarca, involuntariamente ou não, no deboche geral, atacando o mensageiro ao invés da mensagem. Nesses tempos em que a fabulação ganha legitimidade como pós-verdade, fica cada vez mais difícil dizer quem são os palhaços de fato (e Trump se comporta mais como um personagem do que como um presidente). O rapper é, com certeza, um desses palhaços reais ? mais necessários do que nunca quando a liberdade de expressão se vê ameaçada por poderosos sem humor.