Num ritual que se repete a cada novo governo, resgatou-se ontem a mais antiga ordem presidencial do período republicano: é proibido gastar. Fora isso, são três as novidades na cena de velhos vícios patrimonialistas.
medidaseconômicas_2405A primeira é que há um desastre nas finanças públicas, cujo custo em janeiro estava estimado em R$ 30,5 bilhões, há duas semanas passou para R$ 96,4 bilhões e, há 48 horas, saltou para R$ 170,5 bilhões.
A segunda novidade é um governo provisório composto por 11 partidos, donos de 70% dos votos no Congresso, supostamente comprometidos em carregar o presidente interino a um mandato efetivo.
A terceira é que no Palácio do Planalto está um líder que se apresenta como missionário. Ele disse ontem: ?Eu quero cumprir uma missão. Eu tenho a impressão… acho que Deus colocou na minha frente para que eu cumpra essa missão, ou agora em um breve período, em dois anos e meio, para que eu ajude a tirar o país da crise.?
Como sabem todos os que partilham com Michel Temer as orações do PMDB, Deus não tem nada com isso ? ou, na melhor hipótese, não quer se envolver.
A crise foi cavada pelo consórcio partidário que, desde o fim da ditadura militar, se alterna na hegemonia do poder sobre os cofres estatais ? PMDB, PT, PSDB, DEM e organizações satélites.
Anunciar que é proibido gastar depois de uma ruinosa gestão, como a de Dilma Rousseff, sinaliza saudável preocupação em recuperar a racionalidade perdida na administração pública.
Limitar os gastos à inflação passada é velho sonho de economistas e pesadelo permanente de políticos.
Matematicamente significa drástica redução em despesas de saúde e educação, por exemplo, setores nos quais de cada R$ 3 gastos apenas R$ 1 chega aos usuários de serviços públicos.
A proposta de emenda constitucional (PEC) anunciada para a próxima semana deverá trazer um congelamento salarial, extensivo ao estados e municípios ? sem caixa até para pagar salários. Legislativo e Judiciário estarão incluídos.
É possível imaginar o tamanho da resistência dentro e fora do Congresso, ainda mais estimulada pelo atual sentimento raivoso da oposição.
O missionário-presidente vai precisar rezar muito mais do que tem feito. Principalmente, suplicar para que os 11 partidos que coabitam o poder mantenham a promessa de confirmar no Congresso os dois terços de votos de que dizem dispor a favor do governo Michel Temer.