Cotidiano

Álbum clássico de Elliott Smith ganha cópia remasterizada

65649908_Elliott Smith of Montrose Colo sings Miss Misery from the film Good Will Hunting at the.jpgRIO ? Uma vida marcada por uma série de adversidades, abusos de álcool e antidepressivos e uma morte precoce, em 2003, aos 34 anos, em circunstâncias nunca esclarecidas. Nada desse enredo limitou a capacidade criativa do cantor e compositor do folk alternativo americano Elliott Smith, cujo terceiro e mais festejado álbum, “Either/Or”, é relançado hoje, 20 anos depois de ganhar o mundo, agora em formato duplo.

“Either/Or: expanded edition” traz, no primeiro disco, as canções originais remasterizadas e, no segundo, raridades como faixas ao vivo, gravações inéditas e um “lado B”, tudo descoberto por Larry Crane, amigo e arquivista de seu acervo.

? Smith estava inspirado naquela época. Ele conseguia fazer músicas complicadas, mas ao mesmo tempo melódicas e marcantes ? contou em entrevista ao GLOBO William Todd Schultz, autor da biografia “Torment saint: the life of Elliott Smith”, sem tradução no Brasil.

Pois foram justamente faixas como “Angeles”, “Between the bars” e “Say yes” que levaram o violão dedilhado do americano de Nebraska para o grande público. E foi também com “Either/Or” que Smith não só conseguiu contrato com uma grande gravadora, como também um convite para participar da trilha “Gênio indomável”, de Gus Van Sant, concorrendo, em 1998, ao Oscar de melhor canção original com “Miss misery”, feita exclusivamente para o filme.

Grande parte das letras do disco é pautada por questões pessoais e pelo conturbado namoro do músico com a também musicista Joanna Bolme:

? As letras mostram a incerteza de Elliott diante da possibilidade de se envolver. Ele sente que não é digno do amor de outra pessoa, mas ainda assim deseja uma conexão. Em “Alameda” diz para si que “ninguém quebrou seu coração/ Você mesmo o quebrou porque não pode terminar o que começou” ? explica Schultz. “Alameda”

PERSONAGENS DE SUAS LETRAS

Conhecido na maior parte das vezes como um “arquétipo da depressão”, o artista admitia dificuldades para escrever na alegria. E, se suas letras causavam impacto, é provável que isso se deva ao reconhecimento da complexidade humana e de sua capacidade de ?ler as pessoas?, como disse o amigo Dorien Garry.

Portanto, não é difícil imaginar que os ouvintes da obra de Smith, muito além de “Either/Or”, se sintam personagens de suas letras. Os estudantes de jornalismo Gabriela Ferreira, de 20 anos, e Luiz Felipe Marinho, 24, se conectaram tão fortemente ao compositor que decidiram fazer tatuagens sobre ele.

? Acho que muita gente usou a arte dele para atravessar momentos difíceis, porque ele descrevia com muita clareza situações nossas, que pareciam particulares e únicas ? acredita Luiz, que reproduziu o desenho que Elliott tinha no braço, o touro Ferdinando.

luiz tattoo.jpg

Personagem principal do mais famoso livro do autor infantil Munro Leaf, lançado em 1936, Ferdinando é marcado pelo engano que sua aparência causava. Embora fosse grande e forte, não era adepto das touradas, como seus semelhantes. Em vez disso, preferia cheirar flores no campo. De acordo com Luiz, esse contraste não é o único que Smith carregava:

? Ele também tratava de temas tristes sem que as músicas tivessem o mesmo clima. Por ele eu vi que isso era possível.

Gabriela, por sua vez, gravou a frase “You don?t deserve to be lonely” (“Você não merece ficar sozinho”), da música “Twilight”. Apesar da faixa pertencer ao póstumo “From a basement on the hill”, de 2004, o disco preferido dela é outro, “XO”, que saiu um ano depois de “Either/Or”, em 1998.

? As letras de “XO” pegam mais nos meus calos. Inclusive a minha próxima tatuagem deve ser de alguma coisa desse álbum ? revela.

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Gabriela considera Elliott seu “melhor amigo”. Ela ficou íntima das situações e reações do cantor porque consegue reconhecê-las na própria vida, como se tentassem encontrar os mesmos caminhos. Seus traumas e inseguranças, tudo parece estar ali, sob o alcance das letras de Smith:

? Às vezes não adianta desabafar sobre nossos problemas com alguém. Preciso ouvi-lo. Parece que suas músicas exercem um papel de consolo, como se me dissessem que não estou sozinha no mundo.

* Estagiário, sob supervisão de Flavia Martin