Pela repercussão que teve em festivais internacionais, havia uma expectativa grande de o brasileiro ?Que horas ela volta?? ser indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro neste ano. Sites especializados davam como certo que a produção dirigida por Anna Muylaert estaria, ao menos, na lista de finalistas. Faltou, porém, combinar com os mais de 6 mil integrantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, a instituição que organiza o Oscar. O corpo de eleitores, predominantemente masculino e branco, deixou de fora o longa brasileiro sobre uma empregada doméstica que recebe a filha na casa dos patrões. Também não indicaram um único negro entre os 20 nomes selecionados nas quatro categorias de atuação. Tampouco escolheram mulheres ou negros para concorrer ao Oscar de direção.
? Quando vimos que ficaríamos de fora, conversei com nossa assessora de imprensa nos EUA, e ela disse que dificilmente um filme sobre uma mulher de meia idade entra no Oscar ? conta Anna Muylaert. ? Por que isso acontece? Não existe uma regra que dita o perfil dos indicados. Mas existe, sim, uma preferência de quem vota. Oscar Hollywood
Mas as milhares de críticas recebidas pelo Oscar neste ano podem, enfim, fazer essa preferência se diversificar. Como havia prometido em janeiro, a presidente da Academia, Cheryl Boone Isaacs, mulher e negra, conseguiu quebrar um pouco o conservadorismo da instituição ao anunciar a lista dos novos possíveis eleitores do Oscar. Foram 683 profissionais de cinema convidados, entre eles 11 brasileiros, sete mexicanos, seis argentinos e cinco chilenos. Há indianos, sul-coreanos e cubanos. Se todos aceitarem, haverá 283 novos integrantes de fora dos EUA, representando 59 países. Vale lembrar que o número já não é o mesmo ? só na última semana, por exemplo, morreu o cineasta iraniano Abbas Kiarostami, que só havia sido convidado agora.
O movimento inédito de convidar um grupo tão heterogêneo para integrar a Academia tem como meta buscar uma lista mais plural de indicados. Os novos brasileiros dão uma ideia do que pode vir. São eles: a própria Anna Muylaert, o produtor Rodrigo Teixeira (?A bruxa?, ?O cheiro do ralo?), os compositores Antonio Pinto (?Cidade de Deus?, ?Amy?) e Marcelo Zarvos (?Você não conhece o Jack?, ?American ultra?), o diretor de fotografia Lula Carvalho (?Tropa de elite?, ?As Tartarugas Ninja?), os montadores Affonso Gonçalves (?Indomável sonhadora?, ?Carol?) e Pedro Kos (?Lixo extraordinário?, ?The square?), a roteirista Vera Blasi (?Sabor da paixão?, ?Imperador?), o ilustrador Rodolfo Damaggio (?Homem de Ferro?, ?Tomorrowland?) e os animadores Alê Abreu (?O menino e o mundo?, ?Garoto cósmico?) e Renato dos Anjos (?Zootopia?, ?Detona Ralph?).
? Tomara que pelo menos a gente consiga colocar o ?Aquarius? (filme de Kleber Mendonça Filho, exibido no último Festival de Cannes) no ano que vem ? diz Affonso Gonçalves, paulistano que vive nos EUA desde 1993. ? Pelas pessoas convidadas, acredito que algo possa mudar nos indicados.
A mudança na Academia começou já com o número de convidados em 2016. Nos últimos anos, não se chegou nem perto dos 683 novos membros deste ano. Foram 322 em 2015, 271 em 2014, 276 em 2013 e 176 em 2012.
Como desta vez era necessário provar que novos ventos percorrem as colinas de Hollywood, a instituição também liberou mais informações do que costuma sobre o perfil de seus associados. Segundo a Academia, 46% dos novos convidados são mulheres e 41% são não brancos, o que altera levemente o perfil médio dos eleitores. Antes deste novo grupo, apenas 8% dos membros eram não brancos; agora são 11%. Antes, as mulheres representavam 25%; e agora são 27%.
? Há também uma questão de geração dos integrantes. Acredito que um filme como o ?Beasts of no nation? só não foi indicado porque é da Netflix e houve um lobby contrário da velha guarda ? diz Rodrigo Teixeira. ? Talvez assim consiga-se dar mais voz para certos filmes. Podemos imaginar até que um filme estrangeiro possa sair do nicho e concorrer em mais categorias.
A Academia é muito reservada sobre seus quadros e nem ao menos divulga a lista completa de eleitores. Para se tentar saber quem hoje está apto a votar, seria necessário pegar ano a ano as listas dos convidados e checar se todos ainda estão vivos e ativos. É ainda mais difícil ter certeza de quem vota porque, apesar de o convite ser a única forma de ingresso na Academia, ninguém é obrigado a aceitar. Como a instituição foi criada em 1927 (com 36 membros), seria um levantamento sobre 89 anos.
Por isso, também é difícil dizer com total certeza quais são os brasileiros com direito a voto. Nomes como Walter Salles, Fernando Meirelles, Carlos Saldanha, José Padilha, João Moreira Salles, Adriano Goldman, Bráulio Mantovani, Daniel Rezende e Sérgio Mendes já foram convidados em outros anos.
? Duas horas antes de a lista ser divulgada para a imprensa, eu recebi um e-mail da Academia com o convite. Nunca tive qualquer indício de que isso poderia acontecer, não me candidatei, nada disso. Achei que era um spam e não dei bola. Até que mais tarde comecei a receber ligações me parabenizando ? lembra Rodrigo Teixeira.
Na lista dos convidados estão, também, o ator inglês Idris Elba, o ator porto-riquenho Luis Guzmán, a atriz indiana Freida Pinto, a diretora francesa Catherine Breillat, o diretor canadense Xavier Dolan, o diretor colombiano Ciro Guerra, a diretora argentina Lucrecia Martel e a diretora iraniana Marjore Satrapi. Surpreendentemente, além de Kiarostami, outros cineastas premiados como o inglês Ken Loach e o tailandês Apichatpong Weerasethakul só foram convidados agora.
? Fiquei feliz, mas fui pego de surpresa. Não sou dos caras que mais frequenta Hollywood ? afirma Lula Carvalho. ? Talvez um ano seja pouco tempo para percebermos mudança no Oscar. Não são essas pessoas que acabaram de entrar que vão revolucionar um processo tão antigo. Mas acho que é um caminho.