Com o objetivo de reduzir tempo e custos logísticos para as exportações brasileiras rumo ao mercado asiático, a saída para o Pacífico já esteve no centro de projetos ambiciosos como a construção da Estrada do Pacífico (BR-317 no trecho brasileiro), projeto binacional inserido na Iniciativa de Integração Regional Sul-Americana (IIRSA), conectando o Acre ao litoral sul do Peru.
Agora, com objetivos semelhantes, encontram-se avançadas as tratativas para a construção da ponte que ligará a cidade brasileira de Porto Murtinho (MS) com Carmelo Peralta, cidade do lado paraguaio a partir da qual se estenderá um corredor bioceânico passando por cidades do Paraguai e Argentina com destino aos portos chilenos de Antofagasta, Mejillones e Iquique.
O empreendimento deve ser saudado pois a falta de integração física no Cone Sul da América do Sul sempre foi apontada como um dos principais fatores debilitadores do processo de integração regional. Princípio básico de blocos econômicos é a livre circulação de bens e serviços e, para que isso aconteça, a integração física é fator primordial.
A partir da ponte de 680 metros sobre o Rio Paraguai, o projeto como um todo envolverá construções e reformas de terminais portuários bem como de outras estruturas rodoviárias como obras na BR-267, que corta os estados de Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul, também se farão necessárias.
Estima-se que no corredor bioceânico trafegará diariamente mais de 500 caminhões e que beneficiará do lado brasileiro, além da economia do Mato Grosso do Sul, que tem na China o destino de mais de 50% de suas exportações, as dos estados do Mato Grosso, Goiás, leste do Paraná, oeste de São Paulo e Minas Gerais. Regionalmente prevê-se o incremento do comércio de produtos agrícolas e de fertilizantes, vinhos, couros, calçados, celulose, carnes, açúcar, entre outros.
Estudos sobre fluxos intrarregionais de comércio mostram que na América Latina esse fluxo é de cerca de 20% contrastando com os robustos 55% da Ásia e 69% da Europa. Dois dos principais fatores explicativos desse reduzido fluxo latino-americano são a precária integração física e a falta de complementaridade econômica entre os países da região. Para a complementaridade econômica, uma das ações recomendadas é o investimento no mapeamento e desenvolvimento de cadeias produtivas.
A interdependência desses dois fatores pode ser observada no atual momento vivido pelo setor cacau-chocolate na região amazônica, com destaque ao estado do Pará que nos últimos anos alçou ao primeiro lugar no ranking de estados produtores de cacau no País.
O impulso do setor na direção da sustentabilidade com maior processamento do fruto e produção de chocolate na região, esbarra nas precárias condições da infraestrutura de transporte na região. A BR-230 – Transamazônica – que 50 anos depois de seu início continua inacabada, é um eloquente exemplo de que projetos ousados demandam continuidade de investimentos para atingimento de seus objetivos. Precisam ser vistos como projetos de Estado e não instrumentos políticos de governo.
Os inúmeros e longos trechos intransitáveis da Transamazônica encarecem o transporte de cargas inibindo importantes projetos de desenvolvimento regional. Os inúmeros casos de corrupção que revelaram vultosas quantias de dinheiro público desviados da conclusão e manutenção da rodovia servem de alerta para novos projetos de infraestrutura pelo país afora.
Para a realização do novo corredor bioceânico serão necessários além dos investimentos brasileiros outros tantos dos países parceiros nos próximos anos. Do lado paraguaio a construção e o asfaltamento de estradas, com destaque ao trecho de 277 quilômetros que liga Carmelo Peralta a Loma Plata, orçado em US$ 420 milhões são cruciais.
Empresários e autoridades de governo do Mato Grosso do Sul preveem que Porto Murtinho se tornará um hub logístico – centro de embarque e desembarque de produtos -, o que promoverá uma diversificação das atividades econômicas da cidade e de seu entorno.
Parte do projeto será financiada pela hidrelétrica binacional Itaipu e o Estado fará a gestão da obra. A construção da ponte sobre o Rio Paraguai está orçada em US$ 75 milhões. As análises de viabilidade do corredor bioceânico contaram inclusive com uma expedição realizada entre agosto e setembro de 2017 com empresários e autoridades de governo percorrendo toda a rota que liga o Brasil ao Chile. A expedição foi promovida pelo Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas e Logística de Mato Grosso do Sul (Setlog/MS).
Vale aqui sublinhar que, embora a desejada saída para o Pacífico já tenha sido alcançada em 2010 com a Estrada do Pacífico (BR-317), o prometido desenvolvimento ainda não aconteceu. Desde então se acumulam denúncias e queixas contra órgãos responsáveis como o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte) quanto a manutenção, segurança e provimento de adequados serviços públicos ao longo da estrada. O reduzido fluxo de caminhões que hoje trafegam na estrada é mais sintoma do que causa da falta de continuidade de investimentos nessa importante obra pública.
Diante do projeto do novo corredor bioceânico há de se esperar e cobrar dos agentes públicos e privados responsáveis por sua consecução a correção e austeridade de suas ações, visando maior eficiência e alinhamento com os interesses da sociedade para que o verdadeiro desenvolvimento aconteça em região de tantas potencialidades.
Arnaldo Francisco Cardoso é pesquisador e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Alphaville. Leciona disciplinas de Integração Regional, Comércio Exterior e Negócios Internacionais
Estima-se que no corredor bioceânico trafegará diariamente mais de 500 caminhões e que beneficiará do lado brasileiro
O reduzido fluxo de caminhões que hoje trafegam na estrada é mais sintoma do que causa da falta de continuidade de investimentos nessa importante obra pública