RIO – Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente a Ação Civil Originária (ACO), por meio da qual o Estado de Sergipe contestava repasse do Fundo de Participação dos Estados e do DF (FPE) com deduções feitas pela União no valor arrecadado a título de Imposto de Renda. Com isso, a União terá que corrigir valores repassados ao fundo, com atualização de juros e correção monetária, por ter deduzido do montante parcela referente a incentivos fiscais. De acordo com o STF, a decisão abre precedente para que outros estados, que estão incluídos na mesma ação como ‘amicus curiae’ (amigos da corte), também sejam ressarcidos.
O julgamento, que já contava com seis votos pela procedência, seguindo o relator, ministro Marco Aurélio, foi concluído nesta segunda-feira, última sessão plenária do ano, com os votos dos ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin, que acompanharam a divergência. A decisão vai na contramão de entendimento proferido pelos ministros sobre matéria semelhante, no dia 17 de novembro, quando discutiu-se deduções no repasse aos municípios. Na ocasião, o plenário do STF havia permitido à União deduzir dos repasses feitos por meio do Fundo de Participações dos Municípios (FPM) benefícios fiscais envolvendo IR e IPI. O caso analisado envolvia o município de Itabi, que fica no Estado de Sergipe.
O governo sergipano alegou ter sido prejudicado no rateio das verbas do FPE com as deduções feitas pela União no valor arrecadado a título de Imposto de Renda (IR) em virtude de dois programas de incentivo fiscal, o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (Proterra) e o Programa de Integração Nacional (PIN). Isso, segundo o Estado, levou à alteração da base de cálculo sobre a qual é definido o valor do FPE. A União, por sua vez, alegava que a dedução é feita porque a destinação de recursos aos programas ocorre no momento do pagamento do Imposto de Renda e porque o contribuinte, ou seja, o estado, opta pela aplicação de determinada parcela do tributo em incentivos fiscais.
O repasse de receitas tributárias para o FPE é determinado pelo artigo 159 da Constituição Federal. O dispositivo prevê que a União deve destinar ao FPE 21,05% do produto da arrecadação do Imposto de Renda e dos impostos sobre produtos industrializados. A maioria dos ministros entendeu, com base nesse dispositivo, que a União deveria repassar os valores cheios.
Divergência
O caso analisado na segunda-feira teve julgamento iniciado em abril de 2009 e acabou sendo arrastado por seguidos pedidos de vista. Ao proferir seu voto àquela época, o ministro Marco Aurélio, relator da matéria, decidiu pela procedência do pedido para recalcular os valores repassados ao FPE por entender que só se poderia alterar a fórmula, permitindo assim as deduções, por meio de emenda constitucional. Segundo ele, a regra da Constituição disciplinava de forma clara o cálculo do FPE e tanto o PIN como o Proterra haviam sido criados por normas infraconstitucionais. “Ficará aberta a porta, aqui, ao sabor de certa política governamental”, destacou o ministro Marco Aurélio na época.
Além de Marco Aurélio, já haviam votado contra a União ? antes de a matéria ser pautada para segunda-feira – Teori Zavascki, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ayres Britto (aposentado). Havia também dois votos divergentes: o do ministro Menezes Direito (falecido) e o do ministro Eros Grau (aposentado).
Abrindo a divergência, o ministro Menezes Direito (falecido) afirmou, na linha do parecer do Ministério Público Federal (MPF), que a receita do PIN e do Proterra seria dedutível da arrecadação do imposto de renda porque o estado optou em participar dos programas de incentivo fiscal. O ministro Eros Grau (aposentado) se juntou à divergência, ao argumento de que a Constituição é clara ao determinar que ao FPE será entregue uma parcela do produto da arrecadação, no caso, do Imposto de Renda e dos impostos sobre produtos industrializados.
Na sessão de segunda-feira, os dois ministros aptos a votar no julgamento de segunda-feira eram Gilmar Mendes, que trazia o voto-vista, e Edson Fachin. E ambos ? apesar de numericamente já vencidos ? votaram em consonância com o que se decidiu, recentemente, em relação aos municípios. Eles consideram constitucional a redução do produto de arrecadação que lastreia o fundo de participação.
No entendimento de Gilmar Mendes, os estados têm direito apenas ao produto da arrecadação. Mesmo entendendo que estados (e municípios) necessitam de medidas compensatórias, no caso de deduções, o ministro frisou que a Constituição não assegura aos entes federados, automaticamente, nenhuma compensação.
“Do ponto de vista estritamente constitucional, entender que apenas a União deva suportar a repercussão econômica da instituição de benefícios fiscais de tributos de sua competência, ainda que o produto de sua arrecadação seja partilhado, parece tolher sua competência constitucionalmente prevista e inverter o modelo de federalismo de cooperação”, afirmou Mendes.
E não é isso que determina a regra constitucional, disse o ministro. Para ele, pertence aos estados apenas o produto da arrecadação, na forma do artigo 159, sendo a União livre para exercer a sua competência tributária, inclusive promovendo medidas de incentivo fiscal, sem prejuízo da adoção de medidas compensatórias.
Ao acompanhar também a divergência, o ministro Edson Fachin lembrou do seu voto no Recurso Extraordinário (RE) 705423, quando ele se manifestou pelo desprovimento do pedido que buscava a exclusão, do repasse das cotas do Fundo de Participação dos Município (FPM), de desonerações em impostos concedidas pelo governo federal. De acordo com o ministro, a matéria em discussão nesse dois processo é similar.