CURITIBA ? Negociador da Lava-Jato, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima diz que a divulgação de depoimentos da Odebrecht resultará em ?alerta para destruição de prova útil”, mas é opção ao risco de uso de vazamentos para o ?jogo político”
A Lava-Jato é a favor da divulgação da delação da Odebrecht?
O procurador-geral (Rodrigo Janot) se manifestou a favor. Toda investigação, por princípio, deve ser feita de modo sigiloso, o alerta produz destruição de prova útil às investigações. De outro lado, há uso de vazamentos para o jogo político, algo que não nos interessa. Nós assumimos essa responsabilidade, que parece às vezes aceita sem muito critério na imprensa, e isso é um peso muito grande para nós.
Divulgar não coloca em risco a investigação?
Sempre coloca. Eu posso imaginar que nesses 900 depoimentos tenha casos em que eu possa desenvolver uma investigação com mais cuidado e sigilo. Nenhuma das duas posições tem 100% ótimo. Vamos perder em qualquer uma das decisões.
E qual é a menos pior?
Entendo que a tomada pelo PGR, no sentido de pedir abertura.
Executivo da Odebrecht que omitir informações sofrerá punição
Sofre, é obrigação que ele revele todos os fatos relativos ao tipo de crime que estamos tratando. Se não revelar e nós descobrirmos, ele vai ter que se justificar. E vamos analisar a justificativa.
O que seria essa justificativa?
Explicar porque não apresentou sua versão do que aconteceu, porque não revelou fato agora descoberto, se esqueceu algum detalhe, se achou que não era crime. E nós vamos analisar. Isso é feito com cuidado e em sigilo.
Isso já está sendo feito com Camargo e Andrade Gutierrez?Estamos trabalhando sempre com essa cobrança, para que esclareçam. Isso é tratado de forma sigilosa.
Qual impacto que a indicação de Alexandre de Moraes para o Supremo tem sobre a operação Lava-Jato?
Tínhamos uma preocupação natural com a posição do novo ministro em relação a temas como a execução de sentença e o segundo grau. Moraes tem posição que mantém a jurisprudência atual do Supremo. Por isso, nos sentimos tranquilos em relação à nomeação. É uma boa escolha, um constitucionalista de respeito.
O sr. se refere à posição dele sobre a execução de sentença após a segunda instância?
Ele tem se posicionado no sentido dessa execução após a decisão. Suponho que essa seja a decisão pessoal dele. Como estava 6 a 5 (o placar do STF), qualquer mudança nesse momento poderia alterar esse balanço. Diante da situação, acreditamos que ele mantém essa posição. É uma boa escolha, um constitucionalista de respeito.
O sr. acredita que ele deveria se declarar impedido de julgar casos envolvendo colegas de governo ou políticos do PSDB?
Isso é uma questão interna corporis do Supremo e, também, pessoal do ministro. Não há restrição diante desses fatos, juridicamente, para que ele se manifeste. Ele não pode ser obrigado a se declarar suspeito. Temos exemplos de pessoas ligadas a partidos políticos que se tornaram grandes ministros.
Depois da Odebrecht, alguma grande empresa recapitulou sua delação?
Não tenho essa informação ainda, porque esses 900 depoimentos foram tomados por mais de 50 procuradores, e agora estão concentrados na PGR. Eles vão chegar para mim. Quando chegarem, vamos fazer análises.
Quantos devem vir para Curitiba?
Seria uma temeridade fazer qualquer afirmação. Por incrível que pareça, a maior parte dos depoimentos não é relativa à Petrobras. Há esquemas revelados por todo o Brasil, em nível federal, estadual e municipal. Mais de 50% com certeza não virão para cá.
O que pode-se esperar para a Lava-Jato em 2017?
Vamos ter operações, mas não no mesmo ritmo. A Lava-Jato que nós vivemos está se transformando em uma (iniciativa) de denúncias e processos, não tão investigativa. Dependendo de como for a cisão (dos depoimentos da Odebrecht), a gente vai ter uma ideia do futuro.
O sr. se refere a um futuro de quantos anos?
Só para fazer denúncias de fatos já investigados, são três ou quatro anos (o que chegaria a 2020).
Sérgio Machado disse, em conversa com Sarney: ?A delação da Andrade Gutierrez vem muito pesada em cima do PT, do Sérgio (Cabral), mas poupa o Aécio?. A avaliação do colaborador estava correta?
Todos aqueles que não falaram sobre Cidade Administrativa (do estado de Minas Gerais) deixaram de revelar um fato importante, que hoje nós sabemos o que aconteceu. Entretanto, isso é uma investigação do Supremo Tribunal Federal e não temos esse material conosco, pois envolve pessoas com prerrogativa de foro.
Os acordos serão desfeitos?
Em relação a estes fatos, existe a possibilidade de renegociar os acordos em condições mais duras, quebrá-los não é a única solução possível. As colaborações (de executivos) são de natureza ampla, o que nós chamamos de escopo aberto. Pessoas físicas devem revelar todos os fatos. Já a leniência, assinada pelas empresas, são de escopo fechado. O objeto são aqueles fatos revelados.
E quando se descobre fatos não revelados pela empresa?
Ela pode vir a ser processada, entretanto isso não gera quebra do acordo. É sempre possível que a empresa venha e diga: agora quero renegociar esse fato. É possível que a gente renegocie uma multa maior, alguma outra penalidade.
O executivo não tem seu acordo fechado em determinado fato…
O executivo, não. Agora, nem sempre aquele fato está relacionado a algum dos executivos que fizeram colaboração. Nesse caso, quando a empresa traz o fato, a pessoa fica exposta. Se não fizer acordo, essa pessoa vai ser processada.
Isso pode duplicar o número de colaboradores de empresas que já fizeram acordo?Se realmente se confirmarem alguns fatos, não vão ser tantos assim, a ponto de duplicar. E nem sei se é caso de fazer colaboração. Posso fazer a leniência, a empresa resolve o problema dela, e o executivo vai ser responsabilizado. Não tenho obrigação de fazer uma casada com a outra. Quem assumiu o risco vai pagar o preço.
E quando o executivo é o dono da empresa?Aí é diferente, fica muito difícil que a empresa faça um acordo contra o próprio dono. Teoricamente é possível, na prática, não. Traz, conversa e vamos ver se aceitamos. Se eu tiver prova do fato, não tenho porque aceitar a colaboração. Pelo contrário, a gente tem que mostrar para a população que esses acordos são feitos com seriedade.
E a prova?
A prova pode vir por outro meio. Eventualmente, pode acontecer que eu precise daquela prova. É a hipótese de eu fazer acordo. Mas aí ele vai ter que pagar uma multa maior. É preciso haver uma penalização pelo descumprimento (do acordo original).
Como estão as conversas em relação a Camargo e Andrade?
Elas têm vindo conversar, temos uma conversa muito franca, para que expliquem se querem nos auxiliar, trazendo esses fatos, ou não. A princípio, não temos grandes problemas em relação a essas empresas. Em relação aos executivos, aí é uma questão diferente.
A delação da Odebrecht foi além das expectativas iniciais do sr. ou foi na medida esperada?
É tão gigantesca, que se eu dissesse que foi o que eu esperava, tinha que ter muita imaginação para chegar a essa quantidade de informações e casos.
Qual país teve caso que mais te impressionou?
Não vejo diferença entre o comportamento do Brasil e dos outros países. Não sei se exportamos o modelo, ou se este é o modelo tradicional de política na América Latina. É uma simbiose entre a política e o financiamento da política e os interesses em obras públicas. A questão é quanto há de enriquecimento pessoal pra além do dinheiro para financiamento de campanha.
Pagamento direcionado a político a título de bom relacionamento, perto de uma campanha, deve ser tratado como caixa 2 ou é corrupção?
Neste mundo de pagamentos, temos que analisar a vontade das partes. Ouvir o depoimento do executivo para que diga se este pagamento estava vinculado a obra. Não estou dizendo que todo caixa dois seja crime de corrupção. Mas, se vinculado a uma obra, explicitamente ou implicitamente, seja ela do passado ou futura, vou ter que analisar e acho que é corrupção.
Isso não dá ao executivo um poder de definir o destino dos políticos que estão delatando? Ao omitir algo como um pagamento feito sem menção à campanha, embora a empresa tenha sido beneficiada…
É preciso ver as circunstâncias dos fatos: as reuniões que tiveram, as liberações que aconteceram, o depoimento de um colaborador é ponto de partida, não de chegada. É com ele que vamos conseguir analisar os dados.
Operadores de caixa 2 podem vir a ser investigados em Curitiba, mesmo que envolva campanha de pessoa com foro privilegiado?
Vou ter que esperar decisão do ministro Fachin, para saber se ele vai cindir em relação aos operadores ou se ele vai ficar com ela toda lá. A atual jurisprudência do Supremo cinde os processos, mesmo que seja uma coautoria. Mas nem sempre tem sido assim, a jurisprudência é um pouco vacilante.
Qual foi o impacto da morte de dona Marisa na Lava-Jato?
Respeitamos o luto da família. Não há nada que se comentar sobre morte de uma pessoa.
Quantos políticos com conta no exterior receberam dinheiro da Odebrecht?Não tenho ideia. Veja bem, a operação da Odebrecht se dava no exterior, mas muitos pagamentos eram feitos aqui no Brasil, através de doleiros.