Cotidiano

?Hoje, o jornal é mais do que jornal?, diz diretor do Centro Knight de Jornalismo

13116516_10156898086265346_3008516423832276194_o.jpgPara celebrar os 20 anos do site do GLOBO, Rosental Calmon Alves, diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, da Universidade do Texas, comentou as mudanças provocadas pela revolução digital no jornalismo. De acordo com o pesquisador, um dos vencedores do Prêmio Maria Moors Cabot deste ano, os jornais mudaram profundamente ao longo das últimas duas décadas, se tornaram multimídia, mas mantiveram o papel de importância para a sociedade.

O site do GLOBO completa 20 anos. Quais os principais impactos da revolução digital no setor?

Aquele jornal de vinte anos atrás, quando O GLOBO estrou na internet, é muito diferente do que é O GLOBO hoje. Os jornais mudaram profundamente e amplamente durante esse período, mas muitos nem se dão conta disso porque as mudanças foram graduais, pequenas, mas no conjunto mudaram a estrutura do jornal. Então, quando eu digo que o jornal está morto é porque tem um outro jornal que já nasceu, que continua sendo relevante pra sociedade, cumprindo um papel importante, mas que não tem mais a operação monomídia. É multimídia. Nunca o velho jornal sonhou em chegar a tanta gente como chega atualmente.

Qual a diferença do impacto da internet para o setor de mídia, em relação ao surgimento do rádio e da TV, por exemplo?

O jornal sobreviveu ao rádio, sobreviveu à TV. Ele se adaptou, mas ele ainda era um jornal. Tudo isso hoje é diferente. O jornal não é mais jornal. Hoje, o jornal é mais do que jornal. Aliás, um dos slogans mais geniais que eu conheço é o do GLOBO, que diz: ?muito além do papel de um jornal?. Hoje a adaptação é outra, e todos vão ficar cada vez mais parecidos. A TV tem texto, o jornal tem áudio, a rádio tem vídeo. Mas cada um tem o seu ponto forte, e vai continuar tendo.

A minha metáfora preferida é a do deserto e da floresta. Basicamente, na era industrial o ambiente de mídia era baseado na escassez… Escassez de canais, escassez de informação, escassez de métodos de administrar informação. Era um deserto. Hoje é o oposto. O que a internet fez foi transformar o mundo de tal maneira que todos se tornaram um meio de comunicação. A gente passou de uma comunicação dominada por meios de massa para uma comunicação dominada por uma massa de meios, onde cada um de nós pode expor suas ideias nas redes sociais ou onde quer que seja.

E nesse cenário de atores múltiplos, qual o papel da imprensa profissional para a democracia?

Muito importante. Eu acho que, na verdade, a cacofonia que se cria quando todo mundo tem voz e fala ao mesmo tempo não vai afogar o jornalismo profissional, ético, baseado numa deontologia, numa disciplina da verificação que constrói sua credibilidade ao longo do tempo. Ao contrário, eu acho que essa cacofonia aumenta a necessidade de contarmos com um jornal feito por profissionais, usando métodos conhecidos. Um dos grandes fenômenos que temos hoje é a epidemia de notícias falsas. O jornalismo é o antídoto pra isso.

O jornal já mudou bastante, o que mais virá por aí?

Uma coisa que eu aposto muito é nos chatterbots (sistemas inteligentes de conversa). Eu chamo de novo jornalismo coloquial. Parodeando Milton Nascimento, o jornalismo tem que ir aonde o povo está. E onde as pessoas estão agora? Nos aplicativos de mensagem. Já existem mais usuários de plataformas de mensagens do que de redes sociais. Como as plataformas estão permitindo que você crie bots, você tem uma oportunidade de usar não só a presença nesses ambientes virtuais, mas também aproveitar a habilidade cognitiva que as pessoas estão desenvolvendo de se comunicar e tentar criar textos onde elas possam interagir com a notícia.

Mas pode ser que isso não funcione…

Eu acho inevitável que funcione porque o mundo está caminhando para os bots. É como no filme ?Her?. Eu tenho o assistente pessoal da Amazon, que é a Alexa. Então, a gente conversa com a Alexa, faz perguntas: Alexa, como está o tempo? Alexa, faça isso… O Google também tem um, o Siri, da Apple. Mas e nós, e o jornalismo? O que a gente pode fazer com isso? Semana passada, o ?Washington Post? lançou um bot no Messenger do Facebook. Essa é a ideia. Não há nenhum mal em você projetar as tendências tecnológicas e tentar casá-las com o jornalismo. Como O GLOBO fez com o iPad, quando o tablet se popularizou.

E no fazer jornalístico, qual foi o impacto da tecnologia? O Big Data, por exemplo?

Uma das coisas que a revolução digital criou foi essa abundância de dados. Do ponto de vista editorial, você precisa ser alfabetizado em dados. Ter uma noção de matemática e programação que possa facilitar a interpretação de dados. E esse jornalismo de dados é herdeiro do jornalismo assistido por computador, que é herdeiro do jornalismo de precisão, tem uma herança dos anos 1970. E isso se liga à visualização de dados, ao processamento de dados. Não é que o jornalismo de dados vai substituir o jornalismo tradicional, mas vai ampliar as possibilidades. Você vai ter que continuar entrevistando as pessoas, mas antes disso vai entrevistar os dados, e dessa forma vai entrevistar as pessoas de forma mais eficiente.

E na inteligência de negócios?

Essa é outra frente, da audiência. O jornalista precisa se preocupar em colocar as informações onde elas podem ser vistas. Então, a ciência dos dados não deve se restringir à investigação, ela deve auxiliar os jornalistas a entender o que a audiência quer, para juntar com o que a audiência precisa. Uma das experiências pioneiras no mundo, na área de audience development, foi feita por um jornal do Rio de Janeiro, chamado O GLOBO, que criou o painel de leitores ainda na década de 1990. A ideia era genial, usar a estrutura de telemarketing para conhecer o leitor. Ela foi imitada por muitos jornais americanos.

Hoje, muitos jornalistas são contra, mas o audience development é essencial. É preciso trazer os caras que fazem marketing para dentro da redação, trazer cientistas de dados para ajudarem os jornalistas a entender o sentimento do leitor, o zum zum zum das redes sociais. Não é apenas olhar o analytics, e dizer, essa é a matéria mais lida. Tem toda a parte de entender a sociedade, esse mundo novo, não apenas para saber o que você está fazendo, mas para saber o que as pessoas estão fazendo. Quais os hábitos que as pessoas têm, quais os hábitos delas.

Ir para onde o leitor está?

Essa é a chave. Nós não podemos não estar onde esse novo leitor está. Não podemos ignorar que os seres humanos estão virando ciborgues, a conexão que eles já possuem com os computadores, e projetar para os próximos 20 anos. A conexão será muito mais direta. Eu já visto o meu computador, com os relógios inteligentes, e digo para ele o batimento do meu coração, as coisas mais íntimas. A maioria dos seres humanos vai fazer necessidades com um computador nas mãos. Quando eu falei sobre os bot, era sobre aproveitar essa oportunidade, porque os leitores estão o tempo inteiro conectados aos computadores.