Cantor e compositor que enfrentou a ditadura nos anos 1970 com sua música, Luiz Gonzaga do Nascimento Junior (1945-1991), o Gonzaguinha, não viveu para ver o Brasil de 2016, de Operação Lava-Jato, impeachment e luta pelos direitos das minorias. Mas suas palavras e suas canções serviram de combustível para o fervor político que tomou conta do público, no Teatro Municipal, na noite de quarta-feira, durante a cerimônia de entrega do 27º Prêmio da Música Brasileira, no qual era homenageado.
Um coro de “Fora Temer!” eclodiu no momento em que o ator Júlio Andrade, que interpretava o artista e apresentava o prêmio revezando-se com Dira Paes, lembrou a mordaça do regime de exceção no Brasil nos 70. E o rapper Criolo foi aplaudido de pé depois de inserir em “Comportamento geral”, irônica e combativa composição de Gonzaguinha, chamados contra a homofobia, o machismo e o racismo.
A festa começou com uma aparição fora do roteiro do criador do prêmio, José Maurício Machline. Ele subiu ao palco a fim de pedir aplausos para “a maior voz masculina de todos os tempos”, Cauby Peixoto, que faleceu em maio (e que recebeu o troféu de melhor álbum em língua estrangeira, “Cauby sings Nat King Cole”, entregue ao produtor do disco, Thiago Marques Luiz). Lembrado por Dira Paes, o percussionista Naná Vasconcellos, morto em março, acabou recebendo o outro prêmio póstumo da noite, o de projeto especial, pelo álbum “Café no bule”, gravado com o cantor Zeca Baleiro e o baixista Paulo LePetit.
Mas a festa era de Gonzaguinha, que começou a cerimônia revivido por Julio Andrade, numa espécie de monólogo autobiográfico (em roteiro escrito pela cantora Zélia Duncan), mas que logo passou a bola para os cantores e grupos, que reinterpretaram sua obra. E a primeira canção da noite foi “Com a perna no mundo”, por Alcione. Luiz Melodia se atrapalhou um pouco com “Grito de alerta”, no que foi socorrido por Ângela Rô Rô, que chegou rasgando para realizar o dueto. Simone Mazzer ofuscou o parceiro Filipe Catto em “Sangrando”, o Dônica empolgou a plateia com “Lindo lago do amor”, Ney Matogrosso trouxe grande emoção a “Explode coração”, João Bosco carregou na rítmica de “Galope”, Elza Soares foi de “O que é, o que é?” com Pretinho e Thiago da Serrinha e Seu Jorge encerrou a noite em alta voltagem com “É”.
Mas a grande surpresa da noite foi a das interpretações praticamente mediúnicas de Gonzaguinha feitas por Júlio Andrade (cantando “Guerreiro menino”) e pelo filho do cantor, Daniel Gonzaga (que impressiona pela incrível semelhança de timbre de voz), numa “Redescobrir” feita com Fernanda Gonzaga e Amora Pêra, ambas filhas do artista.
Já a premiação, sem discursos este ano, transcorreu sem grandes surpresas. A roteirista Zélia Duncan, que concorria a cinco prêmios, levou três: de álbum e de cantora de samba (por “Antes do mundo acabar”) e de melhor canção (“Antes do mundo acabar”, sua com Zeca Baleiro). Fafá de Belém arrebanhou os de melhor cantora e melhor álbum (“Do tamanho certo para o meu sorriso”) na categoria Canção Popular, e Elba Ramalho abiscoitou os de cantora e álbum de Regional por “Cordas, Gonzaga e afins (Sagrama e Encore)”. Já na categoria MPB, só deu a família Veloso. Caetano foi premiado como melhor cantor e melhor álbum, por “Dois amigos, um século de música” (feito junto com Gilberto Gil), e seu filho Tom levou o prêmio de melhor grupo com a banda Dônica.
Lista de vencedores do 27º Prêmio da Música Brasileira.
Canção Popular
Álbum: “Do tamanho certo para o meu sorriso”, de Fafá de Belém, produtores Felipe Cordeiro e Manoel Cordeiro
Dupla: Chitãozinho e Xororó (“Tom do sertão”)
Grupo: Jamz (“Insano”)
Cantor: Roberto Carlos (“Primeira fila”)
Cantora: Fafá de Belém (“Do tamanho certo para o meu sorriso”)
Categorias especiais
Álbum eletrônico: “Gaia Musica ? vol. 1”, de Dj Tudo e Sua Gente de Todo Lugar, produtor DJ Tudo
Álbum infantil: “Para ficar com você”, de Palavra Cantada, produtores Paulo Tatit e Sandra Peres
Álbum em língua estrangeira: “Cauby Sings Nat King Cole”, de Cauby Peixoto, produtor Thiago Marques Luiz
Regional
Álbum: “Cordas, Gonzaga e afins (Sagrama e Encore)”, de Elba Ramalho, produtor Sergio Campello
Grupo: Ilê Aiyê (“Bonito de se Ver”)
Dupla: Almir Sater e Renato Teixeira (“AR”)
Cantor: Xangai (“Xangai”)
Cantora: Elba Ramalho (“Cordas, Gonzaga e afins (Sagrama e Encore)”)
Pop / rock / reggae / hip-hop / funk
Álbum: “A mulher do fim do mundo”, de Elza Soares, produtor Guilherme Kastrup
Grupo: Titãs (“Nheengatu ? ao vivo”)
Cantor: Lenine (“Carbono”)
Cantora: Gal Costa (“Estratosférica”)
Revelação:
Simone Mazzer (“Férias em videotape”)
Melhor Canção:
“Antes do mundo acabar”, de Zeca Baleiro e Zélia Duncan, intérprete Zélia Duncan (CD “Antes do mundo acabar”)
Melhor DVD:
“Loucura ? Adriana Calcanhotto canta Lupicínio Rodrigues”, de Adriana Calcanhotto, direção de Gabriela Gastal
Álbum projeto especial:
“Café no Bule”, de Zeca Baleiro, Naná Vasconcelos e Paulo Lepetit, produtores Zeca Baleiro, Naná Vasconcelos e Paulo Lepetit
Instrumental
Álbum: “Tocata à Amizade”, de Tocata à Amizade, produtores Yamandu Costa e Rogério Caetano
Solista: Hamilton de Holanda (“Pelo Brasil”)
Grupo: Tocata à Amizade (“Tocata à Amizade”)
Projeto visual
Tereza Bettinardi por “Dancê”, de Tulipa Ruiz
Arranjador
Guinga por “Porto da Madama”, de Guinga
Álbum erudito: “Sinfonia nº12, Uirapuru e Mandu-Çarará”, de Villa-Lobos, interpretado pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, produtor OSESP
Samba
Álbum: “Antes do mundo acabar’, de Zélia Duncan, produtora Bia Paes Leme
Grupo: Moacyr Luz e Samba do Trabalhador (“Moacyr Luz e Samba do Trabalhador ? 10 anos e outros sambas”)
Cantor: Alfredo Del-Penho (“Samba sujo”)
Cantora: Zélia Duncan (“Antes do mundo acabar”)
MPB
Álbum: “Dois Amigos, um século de música” de Caetano Veloso e Gilberto Gil, produtores Caetano Veloso e Gilberto Gil
Cantor: Caetano Veloso (“Dois Amigos, um século de música”, de Caetano Veloso e Gilberto Gil)
Cantora: Virginia Rodrigues (“Mama Kalunga”)
Grupo: Dônica (“Continuidade dos parques”)