RIO – Enquanto as atenções estão voltadas para o término ou
não das obras da Linha 4 do metrô, os trens da SuperVia, outro importante
transporte para a mobilidade dos Jogos de 2016, voltaram a ter parte da
circulação interrompida na quinta-feira, um dia depois de Thomas Bach, presidente do
Comitê Olímpico Internacional (COI), ter feito um passeio pelo sistema
ferroviário da cidade. Problema que expôs, mais uma vez, as fragilidades do
sistema de trilhos do Rio, das quais não escapam os ramais de Deodoro, Santa
Cruz e Japeri, que levam às instalações olímpicas da Vila Militar, de Deodoro,
do Engenhão e do Maracanã.
Bach visitou justamente o ramal de Santa Cruz. Numa
composição exclusiva para ele e sua comitiva, o presidente do COI viajou até a
estação da Vila Militar, em obras, em frente ao Centro Olímpico de Hipismo. A
parada é uma anterior à de Magalhães Bastos, que servirá de integração com o BRT
Transolímpico e que teve reformas inauguradas ontem. Mas o que ele não viu foi
que, dali em diante, muda o cenário de estações reformuladas e linha de trem
totalmente segregada por muros ou grades. Jogos
Na estação seguinte à de Magalhães Bastos, a de
Realengo, nem sinal de tinta fresca e aparência renovada. De lá a Padre Miguel,
constatou a equipe do GLOBO que percorreu ontem os trilhos da SuperVia,
passagens no muro permitiam que pessoas andassem perto da linha, algumas delas
consumindo drogas, nas proximidades da Vila Vintém.
? Os trens deste ramal são novos, melhores do que os dos outros. Mas é só
passar da região olímpica para a realidade no caminho se transformar. Esperava
que houvesse melhorias também na Zona Oeste. Muita gente daqui vai usar os trens
para ir aos Jogos. Mas parece que só pensaram em que vem do Centro e da Zona Sul
? reclamou a passageira Maria Aparecida Barros, moradora de Campo Grande.
A maior parte da estação Guilherme da Silveira sequer
tem cobertura nas plataformas, e os passageiros aguardam as composições ao
relento. Às 11h53 de ontem, um trem ficou sete minutos parado, enquanto nas TVs
do trem eram exibidas imagens do dia em que o Rio foi escolhido para sediar a
Olimpíada.
TIROTEIO NO JACAREZINHO
O ramal tampouco está imune à violência que, ontem,
afetou outro trecho, o de Belford Roxo ? que não conduz ao Complexo de Deodoro.
Nele, um tiroteio entre policiais e bandidos fechou por quase duas horas a
estação Del Castilho, durante uma operação do Comando de Operações Especiais
(COE). Segundo a SuperVia, foi a 14ª vez apenas este ano que um trecho dessa
linha teve de ser interrompido temporariamente por medida de segurança.
Nos caminhos olímpicos, também em 2016, conflitos
paralisaram parcialmente os trens de Japeri duas vezes e, os de Santa Cruz, em
uma ocasião. Entre Magalhães Bastos e Santa Cruz, por exemplo, muitas favelas
têm histórico de violência que preocupam os passageiros. São comunidades como as
de Senador Camará e de Santíssimo, as do entorno da Estrada do Taquaral, em
Bangu, ou favelas como a Urucânia e Antares, na região de Santa Cruz ? próximo à
estação Tancredo Neves, num trecho que já teve a circulação interrompida este
ano por tiroteios.
Já no Ramal de Japeri, entre as estações de Deodoro e
Ricardo de Albuquerque, perto do Parque Radical, uma comunidade com barracos de
madeira fica ao lado da linha de trem, debaixo de um viaduto da Avenida Brasil.
As construções irregulares ficam nos domínios da SuperVia, assim como ocorre
entre Ricardo de Albuquerque e Anchieta.
No ramal, pelo menos a estação de Ricardo foi uma das duas que já tiveram
reformas para a Olimpíada finalizadas, assim como a de Magalhães Bastos (num
total de seis consideradas estratégicas para os Jogos). Apesar de não haver
previsão de entrega das quatro restantes (São Cristóvão, Engenho de Dentro,
Deodoro e Vila Militar), a SuperVia garante que todas serão terminadas até o
início dos Jogos. Orçadas em cerca de R$ 250 milhões, as obras incluem ampliação
de mezaninos, reforma de fachadas, revitalização da iluminação e nivelamento e
cobertura de plataformas.
LONGE DOS JOGOS, MAIS PERIGOS
Melhorias que passaram longe das estações do ramal de Belford Roxo, que, além
do Jacarezinho, passa por outras comunidades conflagradas, como o Complexo do
Chapadão, em Costa Barros.
Nesse caminho, entre Triagem, Jacarezinho e Del
Castilho, o que se vê das janelas dos trens é um retrato dos piores flagelos
cariocas. São cracolândias e dezenas de barracos de madeira, com condições
subumanas à beira da linha. Na chegada à estação de Del Castilho, perto do
shopping Nova América, uma verdadeira favela que cresce ao lado dos dormentes.
Sem se identificar, uma passageira que mora em Belford
Roxo e pega o trem diariamente conta que, sempre que pode, opta por pegar os
trens expressos, que não param em estações como o Jacarezinho. No ramal, diz
ela, o medo é companheiro constante das viagens, quase sempre em composições
velhas.
? Alguns meses atrás, um policial à paisana que estava no mesmo trem que eu
trocou tiros com bandidos no Jacarezinho. Neste ramal, a gente sai de manhã de
casa sem saber se vai voltar ? afirma ela. ? Vejo os bandidos armados nas
estações. Às vezes, eles entram no trem para inspecionar quem está dentro. Não
podemos mostrar medo. Resta fingir que nada está acontecendo.
Em nota, a SuperVia afirmou que a segurança pública
dentro do sistema ferroviário é de responsabilidade do governo do estado, que
atua nas estações e trens por meio do Grupamento de Policiamento Ferroviário
(GPFer). A concessionária lembrou ainda que seus agentes de controle são
seguranças patrimoniais e, por isso, ?atuam com o objetivo de informar, orientar
e garantir o bem-estar e a integridade dos passageiros?.
Além dos ramais de Belford Roxo, Santa Cruz e Japeri, o
de Saracuruna já precisou ter a circulação parcialmente interrompida este ano
devido à violência. Foram quatro paradas, com problemas na favela de Manguinhos
e em Campos Elísios, em Duque de Caxias. Segundo a SuperVia, o ramal dos trens
paradores para Deodoro foi o único que não precisou parar por causa de tiroteios
desde janeiro. Em compensação, também costuma ter problemas técnicos. Anteontem,
minutos antes de o presidente do COI embarcar na Central do Brasil, houve uma
queda de energia em trechos do ramal. A viagem de Bach foi num trem fabricado em
2005, com trem limpo, ar-condicionado e portas funcionando.