“Tenho 68 anos e moro em Boston desde 1974, onde fiz mestrado em Educação Física. Desde então, estou ligada ao esporte de alguma forma. Fui a primeira brasileira a disputar a maratona nos Jogos Olímpicos. E fiz parte do grupo que processou o Comitê Olímpico por discriminação de gênero.”
Conte algo que não sei.
Eu tinha 23 anos quando resolvi fazer uma viagem de Kombi do Rio para os Estados Unidos. Minha mãe, uma tia e uma amiga americana, Suzana, também foram. Minha mãe e a tia ficaram em Foz do Iguaçu. No caminho, demos carona para estudantes, freiras, padres, enfermeiras… Foram quatro meses até o México. Lá, resolvi voltar para acabar a faculdade de Direito, e Suzana seguiu até Nova York. Quando fui morar em Boston, peguei a Kombi de volta. Ela está em minha casa e ainda quero recuperá-la. Desde essa época, tenho essa coisa de pioneirismo, de fazer o que ninguém nunca fez.
Por isso a corrida?
O tênis era meu esporte, mas tive um acidente numa aula de ginástica e rompi o ligamento cruzado. Perdi a movimentação lateral e nunca consegui me recuperar direito. Como meu objetivo era fazer carreira, acabei desistindo. Em 1971, em Boston, fazendo mestrado em Educação Física, comecei a ver as pessoas correndo e fui experimentar.
E foi muito bem-sucedida.
Fui recordista brasileira e sul-americana de todas as distâncias, desde os 1.500m até a maratona, e a primeira brasileira a disputar a maratona em uma Olimpíada, em 1984, em Los Angeles. Competia fora do Brasil porque, no início dos anos 70, não havia provas para as mulheres no país. Em 1978, comecei a organizar corrida de rua aqui. Em 1981, realizamos a primeira corrida feminina da América Latina, também no Rio. Quando fizemos a quarta, em São Paulo, batemos o recorde mundial de participação feminina, mais de 6.000 mulheres. Uma maravilha.
Por que mulheres eram impedidas de competir em provas longas em Olimpíada?
Inicialmente, havia um tabu de que a mulher não tinha constituição física para a corrida. O argumento era que os seios cairiam, a fertilidade estaria comprometida e não seria mais possível engravidar. Quando estes tabus médicos foram derrubados, passaram a dizer que as mulheres não estavam interessadas. Mas houve a explosão de corrida de rua nos EUA, e começaram a ver que as mulheres estavam, sim.
Mas não foi fácil para as mulheres se tornarem atletas.
Não havia oportunidades. Por isso, em 1979, foi criado o Comitê Internacional de Corredores, reivindicando paridade nas competições internacionais, principalmente nos Jogos Olímpicos. Nós também queríamos medalha, queríamos ser atletas olímpicas. A pressão foi tão grande, o movimento era tão forte, que, em 1981, conseguimos convencer o Comitê Olímpico Internacional (COI) a incluir os 3.000m, os 400m com barreira e a maratona femininas nos Jogos de Los Angeles.
A luta pela igualdade no atletismo terminou aí?
Não. A inclusão da maratona teve simbolismo porque é um evento de muita visibilidade. Se a mulher corria maratona, ela podia correr os 5.000m, os 10.000m, mas essas provas foram deixadas de lado. Então, nosso comitê resolveu abrir um processo de discriminação de gênero contra o COI e a Federação Internacional de Atletismo. Esperamos a realização da primeira maratona em um Mundial, em Helsinque, 1983, e soltamos a bomba. O impacto foi tão grande que, três meses depois, foi anunciada a inclusão dos 10.000m na Olimpíada de Seul-1988 e dos 5.000m em Atlanta-2000. A última, os 3.000m com obstáculos, só entrou em Pequim-2008. Demorou muito, mas organizamos um grande movimento feminista no esporte. Talvez o maior.