Saúde

“Vivemos um luto coletivo”; Confira a entrevista sobre o tema com a psicóloga Deise Rosa

“Um luto compartilhado é um luto amenizado e, por isso, os rituais de despedida estão fazendo tanta falta”

“Vivemos um luto coletivo”; Confira a entrevista sobre o tema com a psicóloga Deise Rosa

Além de levar mais de 300 mil vidas brasileiras em um ano, a covid-19 também mudou o próprio luto. Impediu a despedida dentro dos hospitais e até nos velórios. Algumas cidades, como Cascavel, suspenderam os rituais do velório em março, devido à sobrecarga do sistema. Em outros, o processo é feito rapidamente e com poucos presentes. Em todos os casos, o caixão é lacrado e a família não tem acesso ao corpo.

A psicóloga Deise Rosa é especialista em terapia do luto e fala sobre a importância dos rituais de despedidas e os impactos que essa mudança causa nas pessoas. “Estamos vivendo um luto coletivo, onde, mesmo as pessoas que não tiveram ninguém da família que vieram a ficar doente ou falecer, estão sensibilizadas, porque é muita dor… são muitas perdas”.

 

O Paraná – Isolamento, ausência de velório, sepultamento restrito… Como tudo isso tem impactado as pessoas que perdem familiares e amigos?

Deise Rosa – O velório nunca foi tão valorizado como agora. As famílias estão sentindo a falta de fechamento de ciclos, de falar para aquele corpo presente algumas coisas importantes. É preciso criar novos rituais de despedidas, já que o tradicional não se pode ter. Use a internet, cante uma música, escreva carta, enterre ou a solte num balão… Algumas pessoas gostam de acender incenso, se faz sentido, está tudo certo.  Nesta era covid, os velórios, que eram de 12, 24 horas, passam a ter duas, uma hora, às vezes minutos… são muitas alterações de comportamento e que vão se arrastar ainda um pouco depois.

 

O Paraná – Que prejuízos emocionais a ausência dessa despedida causa nas pessoas?

Deise – Temos vários agravantes por conta do caixão fechado, lacrado. É importante? Sim! Mas está deixando lacunas, a sensação de que a pessoa não morreu, de que vou olhar para o lado e ela vai chegar de viagem, que está tudo bem. Essa sensação estranha fica dentro da pessoa.

 

O Paraná – Isso pode refletir de uma forma física?

Deise – Pode. Quando a gente fala de morte, de perdas, que podem ser de casa, emprego, casamento, elas deixam lacunas que trazem questões emocionais, físicas e que dependem de cada pessoa. Como eu lido ou como o outro lida? Para o contexto morte não é diferente e essa dor emocional às vezes é tão intensa que pode se transformar em uma dor patológica. Costumo dizer que o luto é o preço do amor: quanto mais eu amo e isso é retirado de mim, mais eu sofro. Se eu quebro um objeto que eu não gosto, não vou sentir tanto, caso contrário, sim. O luto é oscilação, tem momentos que estarei muito triste, momentos que vou ficar com muita raiva de tudo, do governo, de Deus, da pessoa que morreu, e tem vezes que essa raiva vai embora e eu fico triste, com saudade, negando os fatos. Não existe uma ordem, fases do luto. Cada pessoa reage de um jeito e qual é o jeito certo? O seu.

 

O Paraná – O que o luto significa e qual a importância desse processo?

Deise – Algumas pessoas dizem que foram tão fortes que não conseguiram chorar, foram trabalhar, mais racionais. Naquele momento, foi o jeito que minha estrutura, meu corpo usou para lidar com a dor. Existem outras pessoas que só choram… Vivemos em uma sociedade que cobra demais: se a pessoa chora, quer dar um remedinho para acalmar, se a pessoa não chora, pode ser acusada de não gostar de quem morreu. Dor emocional não tem comparativo.

 

O Paraná – Quais os sinais de que a pessoa não está conseguindo lidar com o luto e precisa de ajuda de um profissional?

Deise – Quando depois de um certo tempo – que depende de cada pessoa, seja cinco seis meses, por exemplo – ela não está se alimentando, não voltou ao trabalho, não retomou atividades, é preciso ressignificar: não deixo de sentir a saudade, ela vai comigo. Inicialmente, meu coração é tomado por aquela dor intensa e, com o passar do tempo, ela continua, mas é menor e tem espaço para outras coisas, vou ajeitando e tentando seguir. Existe uma orientação do luto… Se precisar, vamos encaminhar para um psiquiatra e será algo que vai ajudar.

 

O Paraná – Existe uma forma de contribuir para que não seja tão doloroso?

Deise – Acolhendo a dor do outro. Não vou conseguir entender a tua dor, mas posso estar aqui, posso acompanhar. Um luto compartilhado é um luto amenizado e, por isso, os rituais de despedida estão fazendo tanta falta, porque é naquele momento que as pessoas me abraçam, me consolam e agora isso não tem mais.

 

O Paraná – Existe uma maneira mais específica de explicar a morte para a criança que não deu tchau nem se despediu?

Deise – Todas as crianças sentem, inclusive os bebês. Algumas entendem, outras não, depende do ciclo de desenvolvimento de cada uma. Ela tem que ser muito acolhida. Muitas vezes não vai chorar, mas vai bater, fazer birra… A gente tem que ensinar que a criança pode falar da dor que sente, que ela não precisa ser forte. Tem que ser verdadeiro, contar o que está acontecendo, porque elas percebem que tem algo errado e precisamos respeitá-las. Estamos em um momento muito frágil. Estamos vivendo um luto coletivo, onde mesmo as pessoas que não tiveram ninguém da família que vieram a ficar doente ou falecer estão sensibilizadas porque é muita dor, são muitas perdas.

 

O Paraná – Como tornar isso menos dolorido?

Deise – Amar enquanto há vida, viver a vida. Quando a gente trabalha com luto, é gritante a diferença de: “A pessoa morreu sabendo que eu a amava” de “A pessoa morreu e estávamos brigados, com mágoas, com rancor”. É muito mais difícil, nem de tratar, mas de continuar a vida com aquele peso. Por isso, viva o hoje. Tem mágoa com alguém, resolva, converse; não sabe falar? Escreva! Enquanto se tem vida, tem jeito.

 

Reportagem: Patricia Cabral

Imagens: Silmara Santos