A greve dos caminhoneiros, finalizada na quarta-feira dia 30 de maio, causou diversos transtornos em todo o Brasil, mas teve também pontos positivos. Entre eles, o benefício ao meio ambiente e à saúde das pessoas, graças à redução da emissão de poluentes na atmosfera.
Mesmo que não existam dados oficiais divulgados após os dez dias de paralisação nas estradas brasileiras, a diminuição no volume de gases de efeito estufa liberados na atmosfera é notória. No País, caminhões e ônibus são alvos constantes do controle de emissões, pois são responsáveis por aproximadamente 90% da liberação de poluentes – mesmo representando menos de 5% da frota rodoviária brasileira -, os quais pioram a qualidade do ar e impactam na saúde das pessoas.
Atualmente, o Brasil possui uma frota de cerca de 2 milhões de caminhões de carga, e estimativas de algumas entidades do setor calculam que mais de 1 milhão aderiram à última greve. Se levarmos em conta os 102 milhões de toneladas de CO2e emitidas em 2016, somente por veículos de transporte de carga – de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima -, é possível fazer uma rápida conta e verificar o quanto o meio ambiente "ganhou" nesses dias: cerca de 2,83 milhões de toneladas de CO2e deixaram de ser emitidos nos dez dias de paralisação.
Isso sem contar a diminuição da frota circulante de automóveis, em virtude da falta de combustíveis nos postos. É claro que as emissões oriundas da utilização de óleo diesel não são as únicas que preocupam. Mas, por conta dos últimos acontecimentos, é inevitável pensarmos em novas fontes de energia para melhorar a qualidade do ar e diminuir os efeitos do aquecimento global.
Um estudo realizado por cientistas da The Nature Conservancy (TNC) e de outras 15 instituições, divulgado em novembro de 2017, apontou que a restauração de florestas, a recuperação de solos e a proteção de mangues – que reduzem emissões de gases do efeito estufa por meio da conservação ambiental – podem ser tão impactantes para a diminuição dos efeitos das mudanças climáticas, quanto a eliminação completa da queima de combustíveis fósseis. O estudo reforça também a importância de governos, empresas e comunidades incluírem as soluções naturais como parte do esforço para conter o aquecimento do planeta, além da mudança para energias renováveis e o incentivo aos carros elétricos.
As ações de mitigação e adaptação à mudança do clima, chamadas Soluções Baseadas na Natureza (Adaptação baseadas em Ecossistemas à mudança do clima – AbE), são um dos principais chamarizes para inserirmos a conservação da natureza nas agendas políticas, nas estratégias empresariais e nas demandas da sociedade. No Brasil, o número de projetos com AbE ainda é pequeno, mas conta com um potencial enorme, ainda mais se somados a ações efetivas do governo.
Com a greve tivemos, mais uma vez, um exemplo do quanto somos reféns do transporte rodoviário no Brasil e, consequentemente, do diesel – visto que a luta dos caminhoneiros iniciou justamente pela redução no valor desse combustível. E isso nos faz pensar que estamos cada vez mais longe de contribuir para o objetivo maior do Acordo de Paris, que é o de manter o aumento da temperatura média da Terra, até o final do século, bem abaixo dos 2°C, e continuar os esforços para limitá-lo a 1,5°C. Já passou da hora de inserirmos na nossa rotina e na nossa cultura ações de conservação bem como de redução de emissões de gases de efeito estufa. Precisamos entender que nossas atitudes hoje serão resultado do futuro das próximas gerações.
André Ferretti é gerente na Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e coordenador-geral do Observatório do Clima