Teria sido um romântico pacto de morte, uma reedição de Romeu e Julieta com a marca do século XXI? Dawn Sturgess, a namorada, morreu. O namorado, Charlie Rowley, que sobreviveu após semanas entre a vida e a morte, acreditou ter dado um frasco de perfume à infeliz Dawn. O falso perfume continha a substância Novichok, um veneno poderoso. Como as pessoas podem se enganar tanto?
Na provocante obra A Doutrina do Choque – A Ascensão do Capitalismo do Desastre, Naomi Klein trata de um “veneno” econômico-social de nome parecido. Ela sustenta com fartura de informações que semear o pânico na população facilita a decretação de crueldades a serviço da plutocracia, tais como “reformas” e “austeridades” que de nada servem ao povo, mas enriquecem ainda mais os nababos. Basta ver os lucros dos bancos em plena crise para ter uma leve ideia do alcance e da eficácia do veneno.
O choque neoliberal, na falta de outro nome, foi recebido como “perfume” entre os povos, mas apresentou efeitos tão devastadores para a humanidade quanto o neurotóxico que pôs em hospital o espião Serguei Skripal e adoeceu as relações entre Rússia e Inglaterra. O Novichok do enganoso frasco disfarçado de perfume é uma síntese no organismo humano dos efeitos da doutrina do choque nos organismos dos estados nacionais.
Novichok, em russo, quer dizer “novato, desavisado”. O trouxa cai na armadilha supondo que o conteúdo apresentado seja um condimento, cosmético ou aromatizador e logo sofre os efeitos dramáticos da substância. É o terror disfarçado por uma isca. Falsificação que não se limita a enganar ingênuos, como os boatos contra opositores, mas causa danos ao organismo agredido, seja ele um ser humano ou um povo.
Substâncias tóxicas como discursos fanáticos, boatos contra opositores, fórmulas mágicas para doenças, dietas milagrosas, corpo esculpido a baixo custo e seu amor de volta em três dias encontram na mídia amplificada pela internet selvagem um equivalente na ciência.
Na mesma medida em que são falsas as dietas milagrosas, os discursos políticos que prometem o paraíso por um voto e que o amor voltará, a maioria dos estudos científicos é falsa, afirma o professor John Ioannidis, que leciona Medicina na Universidade de Stanford, EUA.
Citou o caso de pesquisa que defendeu a colocação de stents em artéria do cérebro para reduzir o risco de acidente vascular cerebral. Dez anos depois se comprovou que isso, na verdade, aumentava o risco de AVC. Foi preciso mais de uma década para provar a toxicidade do neoliberalismo “austero” e “flexível”, mas é isso que a maioria dos candidatos à Presidência continua receitando para o Brasil pós-Temer. Pretendem seguir de onde Temer parar.
Nada contra os dogmas religiosos. Crer é valioso no domínio espiritual. Fora dele, porém, desconfiar é preciso. O amor que se pretende retornado em três dias talvez não seja a melhor solução: depois de um período curando a ressaca, o agressor sempre volta bonzinho. Mas aí toma um novo porre e aplica o Novichok de uma nova surra.
Alceu S. Sperança é escritor – [email protected]