Opinião

Preto, pobre e moro longe!

Opinião de Geraldo Fiuza

Quero dizer para você, que agora me lê: já fui “preto, pobre e morei longe”. Durante toda a minha infância ouvi essa expressão de uma pessoa muito especial, minha mãe Arlette, hoje, com 83 anos. Longe de ser uma expressão racista, discriminatória, a intenção da minha mãe era contribuir para a formação do meu caráter, com valores essenciais, advindos de sua sabedoria simples, de quem estudou apenas até a quarta série primária.

Minha mãe sempre lembrava a mim e à minha irmã, Valéria, que precisávamos nos comportar bem em todos os lugares. Quando íamos a alguma festa, passeio, ela dizia: “Meus filhos, juízo, modos e não se esqueçam: a gente já é preto, pobre e mora longe. Então, se comportem!” Era a forma dela de nos proteger do preconceito.

Imagino que o motivo da minha mãe se preocupar tanto com isso se deve ao fato de ela ter nos criado sozinha, após a morte do meu pai, aos 56 anos, vítima de um enfisema pulmonar.

Em 1996, ingressei na Comunidade Canção Nova, onde estou há 23 anos. Talvez alguém pense: “Ser missionário, um cara de igreja foi o que sobrou para um cara preto, pobre e que morava Longe. Pelo menos não virou bandido”.

Foi por meio da vida missionária que aprendi não só a ter fé em Deus, mas também a acreditar nos outros e em mim mesmo. Eu me descobri um apaixonado pelo ser humano, pelo mistério e pela grandeza que cada pessoa é. Um universo de possibilidades irrepetíveis.

A minha fé e vocação missionária passaram a influenciar diretamente no meu dia a dia, naquilo que faço, no jeito de lidar com as situações, os acontecimentos, as pessoas.

Mark Twain já dizia: “Os dois dias mais importantes na vida de um homem são: o dia em que ele nasce e o dia em que ele descobre o porquê!”

Como missionário, tive a graça de ter morado nos estados da Bahia, de Sergipe, do Tocantins e de São Paulo e em Cuiabá. Na vida missionária aprendi a dirigir, a falar em público, a trabalhar com rádio, televisão, internet, mídias sociais, a ser um homem da comunicação.

Acredito que, independente de ser famosa ou não, cada pessoa tem um dom, um talento especial e único, com o qual pode enriquecer a vida das pessoas ao seu redor, se colocando a serviço. E isso independe da cor da nossa pele ou condição social!

Acredito que a vida é feita de escolhas e tem a cor que a gente pinta. Também tenho consciência que, infelizmente, nem todos têm as mesmas oportunidades. Mas não tenho dúvida de que o esforço e a garra fazem a diferença. E, ainda que as situações ao nosso redor não mudem ou se tornem melhores, ao menos nós mudamos, e saímos fortalecidos dos desafios diários que a vida nos impõe.

Nesse Dia Nacional da Consciência Negra, penso que seria oportuno refletir não apenas sobre essas diferenças da cor da nossa pele, mas também sobre aquilo que temos de melhor, nossos dons, talentos, nossas qualidades, habilidades que podem, na medida em que acreditarmos e nos colocarmos a serviço, mudar o mundo!

Que nessa data tomemos mesmo consciência do nosso valor como pessoa, ser humano, filho amado de Deus.

Pode parecer trivial, mas a mudança do mundo começa em cada um de nós, lembrando que é sempre possível recomeçar, levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.

No meu caso, saber de onde vinha a frase “Preto, pobre e moro longe” e entender como ela me era dita, fez toda a diferença, tanto que mudou a minha vida para sempre. Preto não, negro! Preto é cor, negro é raça!

Meu nome é Geraldo André Fiuza, 44 anos, sou “preto, pobre e moro longe” e sou muito feliz com a vida que tenho e com as experiências que a vida me permitiu até o dia de hoje. Um verdadeiro tesouro!

Feliz Dia Nacional da Consciência Negra e boa reflexão sobre como podemos fazer a diferença nesse mundo.

 

Geraldo Fiuza é missionário da Comunidade Canção Nova