Opinião

OPINIÃO: A juventude é mesmo uma banda numa propaganda de refrigerante

Em meio a tanta tristeza, perda e descrença, encontramos, após uma busca minuciosa entre as manchetes, histórias que comovem e evocam a vivacidade da juventude contemporânea

OPINIÃO: A juventude é mesmo uma banda numa propaganda de refrigerante

Com o aumento desmesurado nos números de contágio pela covid-19 ao redor do mundo e no Brasil, país que registrou um aumento de 10.434% no número de óbitos em dois meses (4 de abril – 4 de junho), a necessidade de seguir as medidas recomendadas pelas agências de saúde ao redor do mundo se torna incontrastável. Um ato que não é apenas a preservação da própria saúde, mas é uma postura de respeito, empatia e zelo pela vida dos seres humanos ao redor.

Em meio a tanta tristeza, perda e descrença, encontramos, após uma busca minuciosa entre as manchetes, histórias que comovem e evocam a vivacidade da juventude contemporânea. Jovens que cantam louvores aos membros idosos de suas comunidades religiosas por videochamada; adolescentes que se dispõem em fazer as compras no supermercado para os idosos de seu condomínio; momentos encantadores em que os netos ensinam os seus avós a como usar uma ferramenta inédita em seus celulares; meninos e meninas que produzem conteúdo educativo de graça e postam nas redes sociais; crianças que, junto com seus responsáveis, doam comida às famílias em situação de miséria em seus municípios. Traços que ficarão marcados na história como reflexo da solidariedade da mocidade que viveu e enfrentou uma pandemia global.

Belíssimas atitudes de alguns, irresponsável atitude de vários. Mesmo com boletins informativos sobre a situação envolvendo a covid-19 no Brasil e no mundo sendo divulgados diariamente pelos veículos de comunicação em massa, uma parcela de adolescentes e jovens parece ridicularizar e/ou menosprezar o estado causado pela pandemia do coronavírus, a qual já é a sexta Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional declarada pela OMS na história.

Com o consumo de notícias on-line por crianças e adolescentes de 9 a 17 anos crescendo 51% no Brasil, segundo dados divulgados pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, entende-se que tais atos contraditórios às medidas nacionais e internacionais de combate ao coronavírus não despontam da desinformação, mas sim do bel-prazer de cada indivíduo.

É indiscutível que pessoas nessa faixa etária, sendo aqui interpretada como é vista no Estatuto da Criança e do Adolescente, possuem necessidades básicas de saúde mental e física, as quais são afetadas bruscamente pelo estado de quarentena. Segundo a pesquisadora e neurologista Judy Willis, autoridade quando se estuda o neurocomportamento de crianças e adolescentes na aprendizagem, o tédio (principalmente resultado de um confinamento contra a própria vontade) acaba causando um alto nível de estresse. “O cérebro é uma estrutura de sobrevivência e investigação, a qual funciona para explorar o mundo, encontrar sentido para as coisas e conseguir racionalizar as informações recebidas. Quando há uma ausência de escolhas, a sensação de confinamento é assustadora, intimidadora, e ameaça o sentido de sobrevivência. Então o cérebro entra em estado de alerta máximo e isso eleva o estresse”, aponta a neurologista.

No entanto, a quebra de tal estado não é uma justificativa, muito menos uma solução, para tais carências. É dever dos responsáveis legais pelos menores de idade e do poder público (nos três níveis de governo) buscar recursos para que a saúde mental e física dos pequenos seja minimamente afetada. Em entrevista ao site Desafios da Educação, o doutor em Direito Civil pela USP Marcos Antonio dos Anjos comenta que “os pais têm direitos e obrigações em relação aos filhos. Uma das principais obrigações é a de educar os menores tanto quanto ao ensino oficial, como à preparação para a vida”.

O Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento (DPDC) da Sociedade Brasileira de Pediatria, buscando auxiliar os responsáveis legais pelos menores, divulgou logo no início da quarentena inúmeras orientações para contribuir na preservação do bem-estar das crianças e adolescentes. Indubitavelmente, o acesso a tais informações não tem o alcance que deveria e isso é, de fato, uma lacuna preocupante no conteúdo informativo que está sendo veiculado nos meios de comunicação e campanhas públicas.

Quando um adolescente, que desenvolve na maior parte dos casos a doença de forma assintomática, sai para se reunir com seus amigos em uma social (festa/encontro para poucas pessoas), contrai o vírus e volta para sua casa, ele não necessariamente sofrerá com isso, provavelmente nem perceberá que foi infectado. No entanto, a vida daqueles que moram sob o mesmo teto que o jovem passa a estar em risco. Tédio e saudade dos amigos não anulam a quarentena, a qual foi decretada na maioria dos municípios brasileiros, ou seja, tem vigor de lei.

Notoriamente, a irresponsabilidade não é reservada à apenas uma faixa etária. Ocupando de forma totalmente desnecessárias as horas de serviço da PM por todo o Brasil, jovens, principalmente entre 18 e 29 anos, desmerecem a gravidade da pandemia e o trabalho de milhares de profissionais da saúde ao promoverem sociais e festas particulares. O Brasil, de acordo com o Conselho Federal de Enfermagem, é o país onde mais morreram enfermeiros no mundo e, segundo o Ministério da Saúde, mais de 31.790 profissionais da saúde contraíram o vírus. A polícia, que na maior parte dos casos precisa seguir os infratores até os locais (como chácaras e residências na zona rural), consome o seu tempo e equipagem e se obriga a civilizar grupos os quais, por inconsideração e de modo desnecessário, perturbam o serviço dos agentes. Obviamente, a checagem das denúncias se faz ainda mais necessária em tempos onde o material audiovisual e fotográfico veiculado nas mídias sociais e plataformas de reprodução de vídeo possuem um alto nível de sofisticação de pós-produção e, considerando que os arquivos publicados nas redes sociais são convertidos para JPEG/PNG/MP4 (isso quando já não são diretamente gerados assim) não é possível, sem uma perícia detalhada através de um processo judicial, apontar os dados e metadados de tais documentos, o que dificulta ainda mais trabalho da polícia.

A diferença entre as atitudes vistas em ambas as faixas etárias? Além de se agruparem em menor número (o que não é justificável), as crianças e os adolescentes, devido às fases de desenvolvimento de acordo com a OMS, são mais imaturas, ou seja, naturalmente não entendem de fato a complexidade das coisas e precisam sempre de um adulto responsável para aconselhá-las. A juventude, por sua vez, acha elegante exibir e enaltecer, muitas vezes publicamente, seu desrespeito pelos decretos municipais e estaduais e esbanja, com uma postura indócil, sua indiferença perante a uma pandemia que já matou e deixou tantas feridas em tantas pessoas.

Como aponta a socióloga Melissa de Mattos Pimenta, em entrevista à Saúde Plena, a transformação da adolescência para a fase adulta não acontece de repente, o que explica as atitudes levianas de alguns adultos. Para Melissa, o jovem “deve contar com o apoio da família, da escola e do Estado em todas as etapas de transição para a vida adulta”. Concordando com a socióloga, deve haver intervenção caso um jovem, principalmente na faixa etária antes citada, tenha dificuldades para deixar atitudes e hábitos infantis para trás.

“Mas eu tenho que ficar em casa todas essas semanas? Sem contato com ninguém? Ninguém aguenta isso!”, mesmo não apreciando comparações com situações do passado, é importante apontar que, diferente dos outros grandes surtos que sacudiram a humanidade, dessa vez a única coisa que é solicitada ao jovem é ficar em casa. Local que hoje, para muitos que esbravejam tais angústias em suas redes sociais, oferece grande conforto.

“Ah, mas e as pessoas pobres? Que não têm casa? Não têm conforto? Os milhões de brasileiros na miséria?” É importante essa solidariedade, mesmo que tal discurso pareça não ter sido tão proferido antes, quase demonstrando um certo aproveitamento dessa triste realidade de terceiros para confortar a narrativa de um grupo, mas há uma diferença apontada pelas secretarias de Saúde. “Muitas famílias mais carentes são formadas por pais, filhos e netos. Muitas moram em casas pequenas com poucos cômodos, onde um banheiro é compartilhado por até mais de dez pessoas“, comenta Carlos André Uehara, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), para O Tempo. Nesses casos, a preocupação das secretarias de Saúde estaduais recai, principalmente, sobre as crianças e os adolescentes que ficam expostos brincando ou até mesmo trabalhando na rua.

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, há 785 mil crianças de 10 a 13 que sacrificam suas infâncias para ajudarem suas famílias, uma realidade verdadeiramente divergente da que se apresenta nos descumprimentos de decretos feitos pela Polícia Militar envolvendo jovens acima de 18. Afinal, se uma criança vive na miséria ou em uma família com baixas condições financeiras, ela não terá dinheiro para entrar na rave clandestina, comprar uma long neck, ir para uma festa particular ou fazer um churrasco de três dias com os amigos, não é?

O escritor Monteiro Lobato já apontava, em uma de suas fábulas, algo que vemos regularmente em depoimentos de pessoas que, após debocharem e zombarem da situação atual, sofrem com ela. Assim como o cavalo só pôde ver as duras realidades de seus atos egoístas após a morte do burro, infelizmente, muitos jovens só sentirão a gravidade de seus atos insensatos quando eles carregarem o peso que surge da morte do outro.


Gabriel Portella é estudante de Jornalismo no Centro Univel, em Cascavel