Opinião

Coluna Direito da Família

O sustento dos pratos da balança

Família é corresponsabilidade e solidariedade. Os relacionamentos, por sua vez, tendem à liquidez, na contemporaneidade. O que outrora era caminho certo para a formação familiar sólida, hoje é apenas uma das alternativas, tendo sido flexibilizada cotidianamente. Os namoros, enquanto etapa para a consumação do casamento, tornam-se cada vez mais superficiais, na tentativa vã de alcançar a “cara-metade”.

Considerando os critérios pretéritos dos encontros românticos, não haveria dúvidas sobre a distribuição das responsabilidades entre o casal, de modo que dificilmente um prato de comida poderia ser equiparado ao sustento enquanto responsabilidade derivada da conjugalidade e do poder familiar. No entanto, dada a superficialidade das relações intersubjetivas contemporâneas e as distorções acerca dos discursos feministas, torna-se lugar comum a fala repetida nos últimos dias, sem qualquer sensação de incômodo por parte do emissor.

Ainda que nas relações familiares a própria lei imponha responsabilidade solidária entre os membros, o direito respalda a responsabilidade em laços com terceiros, visto que todos fazem parte da mesma comunidade, com objetivo similar de continuidade da sociedade. Afinal, os relacionamentos entre os sujeitos devem ser permeados de ética em vista do alcance da dignidade, enquanto responsabilidade para com o outro.

No que tange à seara familiar, porém, a responsabilidade de sustento é disposição derivada da própria lei. Os cônjuges e companheiros têm dever de mútua assistência entre si, independentemente do regime de bens, haja vista sua relação estar assentada no ideal de comunhão plena de vida. Daí porque é possível o pleito de alimentos nesses casos, quando do rompimento do vínculo conjugal.

Sustento esse que é mais latente na relação calcada no chamado “poder familiar”, em que se impõe uma gama de responsabilidades dos pais para com os filhos menores. O que não se restringe ao aspecto alimentar, mas perpassa a garantia de inúmeros direitos, em nome da proteção integral da criança e do adolescente.

Isso decorre da perspectiva de que os relacionamentos familiares estão fundamentados na solidariedade, na medida em que todos os entes são mutuamente responsáveis para a garantia de vida com dignidade. Dada a equiparação de gêneros, expressamente prevista pela Constituição Federal, não se pode mais supor que apenas o homem tenha obrigações econômicas para com a família, sendo que ambos devem responder na proporção dos seus ganhos. Não é, portanto, “rachar a conta no meio”, mas estar adequado às possibilidades de cada um, inclusive com relação aos filhos.

Vale ressaltar que o sustento, não diz respeito apenas ao aspecto patrimonial, de modo que a igualdade de direitos e obrigações também se vincula ao aspecto subjetivo e afetivo. Relacionamento é parceria e companheirismo, motivo pelo qual houve a equiparação da união estável ao casamento nas últimas décadas, pois mais importante que as formalidades e a “etiqueta” das relações sociais é o afeto, enquanto valor jurídico. De modo que a sua falta pode, inclusive, ensejar em punição.

O ponto fulcral dos relacionamentos, portanto, deve estar no afeto como instrumento para realização da dignidade. Reconhecer a dignidade no outro é reconhecer seu valor independentemente de sua utilidade; vale por ser e existir. Na medida em que ficar claro que as relações humanas não são de intercâmbio entre as utilidades que podem ser oferecidas por cada parte, não será cômodo confundir o pagamento de um prato de comida (quase equiparado à caridade) com sustento.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas