Cotidiano

Yara Amaral tem sua sólida carreira recuperada no livro ?A operária do teatro?, de Eduardo Rieche

63371844_SC - - Yara Amaral em sessão de fotos realizada no camarim do Teatro dos Quatro durante a t.jpgEm 1987, logo após assistir a ?A cerimônia do adeus?, montagem de Paulo Mamede para o texto de inspiração autobiográfica de Mauro Rasi, Eduardo Rieche foi ao camarim falar com Yara Amaral. Mas não conseguiu dizer uma única palavra. Estava diante não ?apenas? de uma das maiores atrizes do Brasil, com sólida carreira no teatro e na televisão, como de uma grande referência pessoal.

? Yara foi a responsável pelo meu despertar para o teatro durante a adolescência. Acho que me influenciou a virar ator ? afirma Rieche, que acaba de lançar o livro ?Yara Amaral: A operária do teatro?, resultado de uma vasta pesquisa que iniciou no final da década de 90. ? O livro é uma forma de agradecê-la.

Rieche viu Yara cinco vezes no palco. Além da mencionada ?A cerimônia do adeus?, assistiu às montagens de ?Assim é (se lhe parece)?, de Luigi Pirandello, sob a condução de Paulo Betti; ?Imaculada?, de Franco Scaglia, a cargo de Mamede; ?Sábado, domingo e segunda?, de Eduardo De Filippo, assinada por José Wilker; e ?Filumena Marturano?, novamente de De Filippo, com direção de Mamede. Todas foram produções do Teatro dos Quatro ? concebidas durante o período em que o espaço ficou a cargo de Sérgio Britto, Mimina Roveda e Mamede:

? A cena catártica de Yara, como Rosa Priore, em ?Sábado, domingo e segunda?, foi definitiva.

Rieche traz à tona o espetáculo de Wilker que rendeu à atriz o terceiro Prêmio Molière. O primeiro foi pelos trabalhos em ?Réveillon?, montagem de Aderbal Freire-Filho (na época, Aderbal Júnior) para a peça de Flávio Márcio, e ?Avatar?, espetáculo de Luiz Carlos Ripper para o texto de Paulo Affonso Grisolli; e o segundo, por ?Eu posso??, nova parceria com Ripper, agora em peça de Reynaldo Loy.

Yara voltou à dramaturgia de De Filippo como a personagem-título de ?Filumena Marturano?. Estava em cartaz com a montagem quando morreu, precocemente, aos 52 anos, no naufrágio do Bateau Mouche, no réveillon de 1988 para 1989, acontecimento abordado em detalhes no livro. O espetáculo continuou com Nathalia Timberg, que substituiu a colega em prazo recorde. Yara deixou dois filhos, Bernardo e João Mário.

? Eles foram privados do convívio com a mãe e com a avó, ainda na adolescência ? frisa Rieche, lembrando que Elisa, mãe de Yara, também morreu na ocasião. ? Talvez naquele instante eles não tivessem a dimensão de Yara para o teatro brasileiro.

Ciente da importância dela, Rieche decidiu se dedicar, sem qualquer apoio financeiro, ao projeto do livro:

? A ideia surgiu nos dez anos do naufrágio do Bateau Mouche. Percebi que ninguém mais falava na Yara. Ela parecia ter caído no esquecimento.

Rieche mergulhou na pesquisa em 1999 e, paralelamente, começou a fazer as mais de 100 entrevistas. Como Yara nasceu em São Paulo (se mudou para o Rio de Janeiro após vir em temporada com ?O fardão?, montagem de Antônio Abujamra para a peça de Bráulio Pedroso, em 1967, e conhecer Luiz Fernando Goulart, seu primeiro marido), chegou a ficar cerca de seis meses na cidade para entrar em contato com familiares, colegas do teatro amador e da Escola de Arte Dramática (EAD). Só deu partida à tarefa de escrever o livro em 2008. E passou a tentar publicá-lo em 2011, objetivo viabilizado graças à parceria com a editora Tinta Negra, firmada no final de 2014. No meio desse processo, Rieche participou de outra homenagem a Yara. Fez a pesquisa de uma exposição, intitulada ?Yara Amaral por ela mesma?, organizada pela Funarte, com curadoria de Walter Marins, segundo marido da atriz, apresentada no Teatro Glauce Rocha, em 2006.

No livro, Rieche conecta a trajetória de Yara à história do teatro brasileiro. Afinal, a atriz integrou montagens do Grupo Decisão (?Electra?, de Sófocles, em encenação de Abujamra), do Teatro de Arena (?O inspetor geral?, de Nikolai Gogol, ?Arena conta Tiradentes?, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, ambas dirigidas por Boal) e da Cia. Nydia Lícia (?Hedda Gabler?, de Henrik Ibsen, em montagem de Walmor Chagas, ?Um dia na morte de Joe Egg?, de Peter Nichols, em espetáculo de Antônio Ghigonetto). Desenvolveu um percurso profissional singular, com atuações em empreitadas de risco e em produções de mercado.

? Ela fez teatro a domicílio com ?Filosofia na alcova ou escola de libertinagem?, do Marquês de Sade ? aponta, realçando a montagem de Iacov Hillel. ? Desdobrou-se como produtora. Coordenou ciclos de leituras de textos brasileiros e americanos.

Ao mesmo tempo, Yara marcou presença na televisão em realizações bem-sucedidas, como na novela ?Guerra dos sexos?, de Silvio de Abreu, e na minissérie ?Anos dourados?, de Gilberto Braga. Menos assídua no cinema, ela se preparava para interpretar sua primeira protagonista ? a cantora lírica Gabriella Besanzoni Lage ? em filme de Gilda Bojunga. A tragédia, porém, abreviou a vida da atriz que, em 2016, teria completado 80 anos. Impediu que as gerações seguintes estabelecessem vínculo com o seu trabalho. Felizmente, ?Yara Amaral: A operária do teatro? diminui essa lacuna.