Esportes

Voar para competições na América do Sul ainda desafia logística de clubes

A tragédia com o avião que transportava a Chapecoense expôs como pode ser frágil, em alguns casos, a estrutura e o planejamento das equipes que participam das competições internacionais na América do Sul. Com a necessidade de adequarem os seus orçamentos aos cuidados com a preparação dos times em jogos que, por muitas vezes, valem a temporada, os clubes enfrentam o dilema da relação economia/qualidade. A preocupação aumenta com o inchaço das competições continentais em 2017. O número de participantes da Libertadores subirá de 38 para 44, e da Sul-Americana, de 47 para 54.

A reportagem consultou duas fontes do mercado aéreo. Nas principais companhias que operam no continente, o custo de uma hora de voo de jatos que podem fazer o percurso São Paulo-Medellín, sem escalas, seria de cerca de US$ 12 mil (R$ 40,9 mil), o que somaria US$ 168 mil (R$ 572,8 mil) pela ida e volta em voos de sete horas. A conta considera aviões que atuam no mercado brasileiro, como 737-800 (177 lugares) e A320 (184 lugares), com autonomia para fazer todo o percurso. Em empresas menores, o valor poderia ser de até US$ 7 mil (R$ 23,8 mil) por hora, em um total de US$ 98 mil (R$ 334,1 mil).

Em entrevista à revista ?Veja?, na terça-feira, o diretor-geral da Lamia, Gustavo Vargas, afirmou que a Chapecoense pagou US$ 130 mil (R$ 443,2 mil) pelo voos de ida e volta entre Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, e Medellín, na Colômbia. Questionado pelo GLOBO, o presidente em exercício da Chapecoense, Ivan Tozzo, disse desconhecer o valor exato, afirmando ser ?em torno de cento e poucos mil dólares?.

? Todo mundo está perguntando: por que pegaram uma companhia dessas? ? afirmou Tozzo. ? O diretor financeiro (Nilson Folle Jr.), que sabia da negociação, morreu. Concordo que essa empresa tinha tradição em transportar equipes de futebol. Vários times foram transportados por ela com sucesso. E não tinha por que duvidar disso. Fizemos a primeira viagem a Barranquilla e deu certo.

Segundo um ex-dirigente de clube brasileiro, a vantagem competitiva de uma empresa como a Lamia não é apenas do preço, compatível com as mais baratas do mercado. Para ele, uma empresa menor tem uma venda mais agressiva, especialmente lidando com um setor específico, como clubes de futebol.

Ao invés de esperarem pedidos de orçamentos, companhias menores acompanham calendários de jogos e oferecem propostas de serviços. Mas, na maioria dos casos, são os próprios clubes que vão ao mercado para fazer a cotação. No caso de competições internacionais como a Copa Sul-Americana, as premiações em dólares são entregues pela Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) a cada passagem de fase. De posse do dinheiro, os clubes têm autonomia para marcar voos.

? Nós tentamos fretar um voo para ir a Medellín enfrentar o Independiente nas empresas grandes. Mas era caro. Optamos por fazer voos de carreira ? explicou Helder Moura, gerente de futebol do Santa Cruz.

O clube enfrentou o Independiente de Medellín pelas oitavas de final da Copa Sul-Americana, este ano. Pela ida à fase de mata-mata, o Santa Cruz recebeu da Conmebol US$ 375 mil (R$ 1,22 milhão). A lógica do uso da premiação obedece à economia, que é sempre mais exigente em clubes menores.

? Nós cotamos as passagens, mas sempre em empresas grandes. Optamos por ir de Copa e Avianca, com escalas em Bogotá. Enxugamos a delegação e levamos umas 30 pessoas, a cerca de US$ 8 a 10 mil em voo de carreira. Se você economiza, com segurança e comodidade na logística, o dinheiro que sobra da premiação é do clube ? disse Moura, que afirma não ter sido procurado nem ter feito cotação com a Lamia.

SEGURO PODE NÃO SER SUFICIENTE

O advogado James Healy-Pratt, da Stewarts Law, especializado em acidentes aéreos, informou à ?BBC Brasil? que há o risco de a Lamia não ter seguro suficiente para cobrir a indenização. A apólice conhecida da empresa é de US$ 25 milhões. De acordo com o advogado, seria de aproximadamente US$ 250 milhões (R$ 850 milhões) o valor do custo indenizatório previsto.

? Este (valor da apólice) não é o tipo de preocupação que eles (familiares) deveriam ter neste momento. Os governos de Brasil e Bolívia precisam apresentar uma solução urgentemente ? cobrou Healy-Pratt.