Cotidiano

Vítimas de insônia contam como encaram problema, que afeta 10% das pessoas

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RIO – Três da madrugada. As horas se passam no relógio, e Roberta Medon Rangel, de
23 anos, não consegue dormir. Esta já é sua terceira noite seguida em claro, e a
falta de sono por tanto tempo cobra seu preço. Ela sente dores de cabeça e no
rosto, além de muita fadiga, mas ainda assim o merecido, e necessário, descanso
continua sendo um sonho distante, enquanto os segundos correm, aumentando a
ansiedade.

Links Insônia

? Achei que estava ficando louca e fui para a emergência
de um hospital ? lembra Roberta. ? Lá, recebi uma injeção que pareceu não
adiantar muito, mas depois, finalmente, consegui dormir.

Aquela não foi a primeira vez em que a estudante de Comunicação enfrentou a
insônia. Em outras ocasiões, ela aproveitava as noites em claro para ler,
adiantar os estudos ou ver filmes na TV. Há cerca de cinco anos, quando ainda
estava no 2º ano do ensino médio, Roberta mudou o turno de estudos da tarde para
a manhã e passou a se sentir pressionada para decidir sobre o seu futuro
profissional.

? Eu só conseguia dormir às 6h, justamente o horário em que devia estar
levantando para ir para a escola ? conta. ? Comecei a perder muitas aulas. Ou
então ia com muito sono, praticamente virada, o que atrapalhou demais o meu
rendimento no colégio.

Pesquisas recentes indicam que quase 70% dos adultos reclamam de algum tipo
de dificuldade para pegar no sono ou dormir o suficiente pelo menos uma vez por
mês, e o problema afeta mais mulheres e idosos. Outros levantamentos
internacionais mostram que de 30% a 48% da população em geral relatam problemas
constantes relacionados à falta de sono. Destas, de 9% a 15% encaram
consequências disso durante o dia, como fadiga, dificuldades de concentração e
sono fora de hora, enquanto que de 8% a 18% se dizem insatisfeitas com a
qualidade ou quantidade do descanso obtido. Por fim, de 6% a 10% não dormem, ou
conseguem dormir muito pouco, três ou mais noites por semana durante ao menos
três meses, apesar de terem oportunidade e ambiente para tanto ? caracterizando
um quadro de insônia crônica.

Hoje, de volta ao tratamento e com ajuda de remédios,
Roberta tem um sono um pouco mais regular, embora eventualmente ainda passe
noites em claro, durante as quais continua a se distrair lendo ou vendo TV.

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Segundo especialistas, os casos de insônia ?pura? são muito raros. Em geral,
o problema está associado ou é desencadeado por outros fatores. Destes, os mais
comuns são emocionais, ligados a transtornos de humor como ansiedade e
depressão. É o caso de Franklin Barreto, aposentado de 69 anos. Segundo ele,
tudo começou com a separação em seu primeiro casamento, mas a situação se
agravou a partir de 2014, com o término de outro relacionamento.

? Até então, eu tinha insônia e tomava remédios ocasionalmente, mas aí o
problema ficou brabo mesmo ? relata. ? Eu ia para a cama e tentava dormir, mas
não conseguia. Cheguei a passar uma semana inteira sem dormir quase nada, dava
apenas pequenos cochilos, acordava de madrugada e não pegava no sono de novo.
Isso começou a prejudicar minha vida pessoal, eu ficava de mau humor e muito
irritadiço, e então resolvi buscar ajuda.

Diagnosticado, Barreto, atualmente, dorme sete horas por noite, mas só com a
ajuda dos remédios. Mesmo assim, é um alívio.

? É bom voltar a dormir. Só quem tem insônia sabe o sofrimento que é. Nunca
fiz um teste para saber se eu dormiria normalmente sem os remédios, mas acredito
que não ? diz.

Temor este que também atinge Roberta:

? Estou numa fase boa, mas me sinto totalmente dependente
dos remédios. Quando acaba um deles, já fico sem dormir bem. Sonho com o dia que
não terei mais que tomar estes remédios, mas acho que isso ainda vai demorar um
pouco.

Diante dessa realidade, os especialistas destacam que fazer o paciente dormir
é apenas a parte mais visível, e paradoxalmente mais fácil, do tratamento da
insônia crônica. Segundo eles, sem atacar as causas subjacentes, como os
transtornos de humor, não há saída.

? Botar o paciente para dormir é só a ponta do iceberg e a parte menos
importante do tratamento ? ressalta o neurologista Andre Giorelli. ? Para isso,
pode-se usar medicações de vários tipos, mas nada disso adianta se não se tratar
a causa da insônia, como a depressão ou a ansiedade. Para dormir e continuar
dormindo bem, o paciente vai ter que abordar isso.

A médica Andrea Bacelar, especialista em medicina do sono, concorda:

? Diagnosticar as comorbidades da insônia, como os transtornos de humor, é
muito importante para a decisão do tratamento. É isso que vai me ajudar a
escolher a melhor substância e associar um tratamento não farmacológico.

Terapia Cognitivo-Comportamental

Assim, tanto Giorelli quanto Andrea corroboram recomendação feita em maio
deste ano pelo Colégio Americano de Médicos que apontou como o tratamento
primário para adultos com insônia crônica a terapia cognitivo-comportamental
(TCC), que combate distúrbios por meio de um diagnóstico do problema psicológico
e de uma ampla análise das emoções, pensamentos e comportamentos do paciente.

? Estudos mostram que a TCC voltada para a insônia funciona de modo
inquestionável, tão bem ou talvez até melhor que qualquer medicação ? diz
Giorelli. ? Quando juntamos as duas, os resultados são muito rápidos, mas a TCC
é também uma poderosa forma de o paciente se livrar dos remédios para dormir.
Não é fácil, pois é uma mudança no estilo de vida que o paciente vai ter que se
dedicar e se policiar sempre, como no alcoolismo, mas é fundamental.

Balthazar Alencastro, de 52 anos, enfrentou este
desafio. Sem dormir direito desde a época da faculdade, o engenheiro mecânico
teve o problema agravado por um emprego noturno na manutenção de aviões de uma
companhia aérea e começou a usar tranquilizantes por conta própria.

? Só que estes remédios têm uma consequência, e o que
era um hábito passou a ser um problema ? conta. ? Eu fazia uso eventual, mas de
uns cinco anos para cá passou a ser sistemático, até que percebi que estava me
fazendo mal.

Depois de procurar ajuda médica, Alencastro gradualmente
abandonou os tranquilizantes e hoje toma apenas uma dose mínima diária de um
antidepressivo, do qual espera também se livrar logo.

? Estou atingindo meu objetivo de não depender mais de
remédios para dormir, mas para isso tive que contar com força de vontade,
persistência e um médico de confiança ? comemora.