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Vadão, treinador da seleção feminina: 'Marta tem o estilo de Messi'

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Por 24 anos, Osvaldo Alvarez foi nome habitual do mercado de treinadores de
times masculinos de futebol. Há dois anos, assumiu a seleção feminina, que vive
uma onda de exportação de jogadoras para Europa,

EUA e Ásia. Após cair nas oitavas do Mundial de 2015, vê progressos e chance
de ouro na Olimpíada do Rio. Confira a entrevista completa:

Há 16 jogadoras no exterior. Diante da má estrutura dos clubes do
país, é uma vantagem?

Se não houvesse a seleção permanente, o melhor seria jogarem fora, porque a
experiência é melhor, a estrutura de treino. Mas temos a seleção, a estrutura da
Granja Comary, e gostaria de ter dois meses com todas, para aprimorar o lado
tático e o físico, nossa grande preocupação.

Por quê?

Nos EUA, no Japão, países que
levam a sério o feminino, as meninas começam com seis anos. Criam lastro físico
e técnico. As nossas começam tarde. Tem uma menina da sub-17 que, para treinar
no Amazonas, gasta cinco horas de barco. Então, ela só joga, não treina. Outra,
por falta de times femininos, treina numa escolinha de meninos. Na seleção
permanente tentamos corrigir o atraso. Hoje, só uma ou outra está mais distante.
Passamos a exportar muito, mas clubes da China, por exemplo, não fazem
musculação, só correria.

Por que aceitou o cargo?

Tenho 59 anos e pensei: será que vou ter outra chance de chegar à seleção, a
uma Olimpíada, Copa do Mundo? Não acho. Claro que sabia quem eram Marta,
Cristiane, Formiga, Maurine. Mas a outra realidade do futebol feminino, as
demais jogadoras, a dificuldade, não conhecia. Quase não sai notícia. Não sabia
que a distância física para outros países era tamanha. Fui aprender, pesquisar.
Até me concentrar com a seleção sub-20, sub-17. A primeira convocação foi feita
pela equipe de apoio da CBF.

O jogo feminino é taticamente desenvolvido como o
masculino?

Vocês vão se assustar com a organização tática dos times. As mulheres são até
mais aplicadas do que os homens, são chatas, dedicadas, pela falta de apoio que
tiveram lá atrás. Preferem treino tático a rachão. A redução de espaço que vemos
no masculino é exatamente igual. A diferença é que homem é mais rápido, chuta
com mais força.

Um mês para os Jogos – Parte II

E isto impacta no jogo?

Se a bola está de um lado do
campo, você pode transferir todo o time para pressionar lá. Porque raras
jogadoras têm força para virar a bola para o outro extremo. As que podem,
estudamos e alertamos. Mas o normal é usar dois, três passes. Dá tempo para a
defesa se mover.

Mas e as goleiras? Não são baixas?

Não dá para pensar assim. Se não, jogariam futsal… Você não vê mais tantos
gols de fora da área. As defesas jogam com linhas mais adiantadas, e é raro ter
jogadoras com potência para um chute forte de longe. E isso compensa uma
eventual falta de estatura das goleiras.

O melhor é ter a defesa adiantada?

Sim, mas com cuidado contra times velozes, que fazem infiltrações. Na bola
aérea sim, sai bastante gol pela falta de altura das goleiras. O Brasil não tem
defensoras tão altas e isso preocupa contra a Suécia (segunda rival na
Olimpíada), por exemplo. Adiantamos a defesa mesmo em lances de bola parada mais
longe da área, evitando que a bola seja pingada na marca do pênalti. Se for, em
geral vai diminuir a precisão e dar tempo para a goleira se posicionar.

Há um preconceito de que mulheres não se interessam por
tática…

Uma vez, acabou um jogo e, no vestiário, estavam todas vendo vídeo e
discutindo posicionamento. São detalhistas.

Qual a melhor posição para Marta?

Tivemos mais sucesso no 4-4-2, usando Marta como segunda atacante, liberada
para se mover. Ela é muito solidária. Jamais abusou do prestígio em troca de
regalias. Lidera pelo exemplo.

Um mês para os Jogos – Parte I

Marta jogaria contra homens?

Seria difícil, há diferença física. Mas eu arriscaria… Ela trabalhou muito,
ganhou potência, e tem um arranque que é dela, uma mudança de direção rara em
mulheres, parecida com o jogo masculino. Se eu tivesse que arriscar uma jogadora
para atuar com homens, Marta seria uma delas. Na seleção, não quero é jogar nela
a responsabilidade de tudo. Não pode acontecer com ela o que acontece com Messi.
No Barcelona, há um esquema para favorecê-lo, mas não na seleção. Precisa haver
aqui na seleção um time que leve a bola para Marta resolver. E ela resolve.

Marta se parece com algum jogador brasileiro atual?

Não. Se você pensar no Ganso, ele é mais organizador, e Marta entra mais na
área, é artilheira. Já Neymar gosta mais do lado do campo. No estilo, ela está
muito mais próxima de Messi.

É diferente dirigir mulheres?

Em algumas coisas, mas as piadas,
brincadeiras de vestiário, são iguais. Eu me policiava para falar pouco
palavrão, mas elas falam mais do que eu. Tem que respeitar algumas coisas: são
mais sensíveis, embora aguentem cobrança, treinem com dor. E mulher se estressa
mais fácil. Você precisa flexibilizar: se há folga numa manhã, pode liberar para
ir ao shopping, jantar fora. O fundamental é conviver sem invadir o espaço
delas. Elas são mulheres, eu, homem.

Como assim?

Se eu entrasse no vestiário com
elas se trocando… Elas confiam em mim, mas não tem necessidade de eu fazer
isso. E nem falo de entrar com elas nuas, mas com top, short. Ainda que lá
dentro tenha roupeiro, médico, fisioterapeuta, dou o espaço delas. O período
menstrual também influi. Quando algumas estão irritadiças, já sabemos o que é.
Elas até avisam. Às vezes acontece com várias ao mesmo tempo. Tem uma
ginecologista que acompanha, há um trabalho para que não ocorra durante os
jogos. Se ocorrer, elas superam cólica e jogam.

É difícil garimpar jogadoras?

A questão é o futuro. A reposição é lenta porque não trabalhamos a base,
clubes não investem. O desenvolvimento é pobre. Clubes de camisa, como Flamengo
e Corinthians, jogam o Brasileiro com times terceirizados, sem a mesma
estrutura.

Quais as chances reais do time?

Boas. Esta safra de jogadoras não perde para nenhuma outra. A questão é o
lado físico, a organização do time. Mas temos chance de ouro.