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Um inclusivo jantar de sentidos no Rio

O aviso de que um grupo de 30 pessoas poderia começar a jantar, num restaurante de Ipanema, na noite de anteontem, foi seguido por expressões de insegurança e suspiros de incerteza. Naquele momento, o que mais se pensou, falou ou sentiu foi ?como?. Na sequência, garfos foram derrubados, uma pessoa colocou a mão dentro do prato de comida de outra, e teve gente bebendo vinho branco jurando que era tinto.

A diferença, naquele jantar, é que os convidados primeiro foram vendados, depois calçaram luvas com placas de madeira para limitar o movimento das mãos e por fim usaram fones de ouvido com ruídos constantes para atrapalhar a comunicação. Foi uma situação inédita para quem esteve no encontro organizado pela ONG Access Israel, mas comum na rotina de deficientes físicos num mundo pouco inclusivo.

De passagem pelo Rio durante os Jogos Paralímpicos, a organização israelense foi fundada há 17 anos com o objetivo de trabalhar pela acessibilidade e qualidade de vida de deficientes. Entre seus programas de conscientização, há atividades com crianças e outras com funcionários de empresas e órgãos públicos para informar as formas corretas de se tratar a deficiência. Por exemplo, eles já ?estacionaram? 100 cadeiras de rodas em vagas para carros numa movimentada rua de Tel Aviv, cada cadeira com um papel contendo uma desculpa usualmente dada por motoristas que param seus veículos em espaços para deficientes. Frases como: ?Foi rapidinho, só tinha que pegar meu filho na escola? ou ?Eu estava apertado para ir ao banheiro?.

? A gente começou a ONG com um site, em que tentamos reunir informações sobre atividades para deficientes fora de casa em Israel ? explica Michal Rimon, CEO da Access Israel. ? As pessoas não tinham a menor ideia do que era acessibilidade. E é uma questão que vai além da integração. Em Israel, 18% da população têm algum tipo de deficiência. É muita gente. Então, se o seu restaurante, hotel ou comércio estiver preparado para receber esse público, será bom para os negócios.

No Rio, a Access Israel realizou atividades com crianças no Parque Madureira e convidou empresários, artistas e jornalistas ? essa gente chamada de ?formador de opinião? ? para dois jantares no restaurante Galani, em Ipanema, um na terça e outro na quarta, para um projeto que eles batizaram de Feast of Senses (Banquete dos Sentidos).

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A proposta do jantar é mostrar os desafios enfrentados pelos deficientes em situações corriqueiras. Na porta do restaurante, os convidados foram vendados com máscaras de dormir e então conduzidos para seus lugares. Os pratos de entrada, entre eles palmitos grelhados, foram servidos ?às escuras?, para que o povo se virasse ao pegar os talhares, achar a comida, entender do que se tratava e, enfim, comer. Os mais corajosos ainda foram incentivados a encher uma taça de água com uma garrafinha que estava à mesa.

No segundo momento, as máscaras foram retiradas, mas luvas pegadoras de panela, com placas de madeiras dentro, foram colocadas em cada convidado para o prato principal. Eram três opções, uma carne, um peixe e um risoto, e certamente quem escolheu a carne se arrependeu bastante. As luvas tornavam praticamente impossível a simples ação de segurar garfo e faca com precisão.

Por fim, chegou a vez da sobremesa e de fones de ouvido com ruídos que impediam uma comunicação com o garçom. Ele falava as opções, e as pessoas acabavam desistindo e escolhendo pelo número. Quem tentou pedir algum chocolate recebeu maçã flambada.

? Trouxemos esse projeto aqui para mostrar a importância da inclusão. Quem participa desse jantar sai diferente ? explicou o chefe da Missão de Israel em Brasília, Itay Tagner.

No jantar, deficientes também compartilharam histórias de situações cotidianas por que passam com os presentes. O destaque foi a presença da remadora paralímpica Moran Samuel, medalha de bronze nos Jogos do Rio.

? As pessoas precisam entender que acessibilidade não é só ter um banheiro preparado. É preciso buscar consciência ? disse Moran.