Cotidiano

Ulrik Haagerup, jornalista: 'O noticiário construtivo é o slow food do cérebro'

201608060134247156 (1).jpg“Sou dinamarquês, tenho 53 anos. Fui repórter, editor do jornal ?Jyllands? e fiz parte do Conselho da Agenda Global do Fórum Econômico Mundial sobre jornalismo. Dirijo a área de notícias da Danish Broadcasting, maior provedora de rádio, TV e mídias sociais da Dinamarca, avaliada como o veículo de comunicação mais confiável do país.”

Conte algo que não sei.

Hoje, o foco do jornalismo investigativo é responder a perguntas como onde, o quê, quando e com quantas pessoas. Voltamos para o passado. O noticiário construtivo acrescenta algo a mais. Tenta responder a mais duas perguntas: E agora? Como vai ser? Olhando para o amanhã. E o que acontece quando fazemos isso? As pessoas adoram. Elas se engajam novamente com a imprensa quando veem que há saídas, sugestões de melhores práticas e que o debate sobre um futuro melhor é facilitado. E, nas redes sociais, elas compartilham bem mais as histórias construtivas. É claro que, como jornalistas, temos a obrigação de ser vigias e de documentar eventos errados, posições equivocadas que o poder insiste em esconder. Mas também podemos ter um papel novo: apresentar soluções.

Em seu livro ?Notícias construtivas: um confronto com a visão negativa de mundo da imprensa?, o senhor sustenta que uma boa história não precisa ser necessariamente uma história ruim. Como aplicar esse conceito?

A ideia de ?Notícias construtivas? não é escrever belas histórias, como as do jornalismo norte-coreano. O objetivo do bom jornalismo é dar às pessoas a versão mais verdadeira possível. Ser um filtro entre a realidade e a percepção pública da realidade. Mas o que acontece quando se conclui que a percepção sobre um assunto importante não é correta? Se você perguntar ao francês médio quantos muçulmanos moram naquele país, ele lhe dirá que são 31%. Resposta correta: 8%. Na Itália, a taxa de desemprego é de 12%, mas o italiano médio pensa que é de 49%. Nos EUA, a população crê que uma em cada quatro meninas de 13 a 19 anos engravida. O dado correto é uma em cada 33. Crenças assim deveriam levar a um debate na mídia. A boa notícia é sempre a má notícia?

O que o público espera da imprensa?

Vivemos em sociedades onde não há mais autoridades. As pessoas não acreditam na Igreja, nas grandes empresas e nos grandes grupos de interesse. E certamente não acreditam nos políticos. O problema é que também não acreditam na imprensa tradicional. Isso é um problema para a mídia, que vem perdendo significado, atenção e financiamento para realizar boas reportagens. E um problema para a sociedade e a democracia em si. Em sociedades sem autoridades, o sujeito que fala mais alto, é mais rude e tem mais likes nas redes sociais pode virar presidente. O noticiário construtivo é uma forma de provocar o debate sobre melhores notícias. Elas estão onde vemos o mundo com dois olhos. Não só com foco em cliques, audiência e manchetes dramáticas. É preciso complementar isso. Não substituir.

A proposta pode deter a evasão de público enfrentada pela mídia tradicional?

Já aderiram ao noticiário construtivo organizações como o Huffington Post, a TV belga, o ?Die Zeit? (jornal alemão) e a BBC News. Hoje, as pessoas podem até não precisar de bancos, mas precisam de dinheiro. Podem não precisar de CDs, mas precisam de música. Podem não precisar da imprensa tradicional, pressionada por Facebook e Google, mas precisam de jornalismo. É hora de repensar. Na área de alimentos, introduziram a ideia do slow food, onde o que vale são qualidade, paixão por fazer e vontade de inovar. E o que antes era um restaurante superchique agora é pop. Recebe bem mais clientes. O noticiário construtivo é o slow food para o cérebro e para o debate público. Nós precisamos dele.