Cotidiano

Turquia fecha cerco a clérigo acusado de golpe fracassado

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ISTAMBUL ? Um mês após a tentativa de golpe militar na Turquia que resultou em mais de 300 mortes e dezenas de milhares de pessoas presas ou expurgadas de cargos públicos, o governo intensificou as ações contra o principal acusado de fomentar a intentona. A promotoria nacional pediu ontem duas condenações à prisão perpétua e uma pena adicional de 1.900 anos de prisão para Fethullah Gülen, o exilado clérigo e ex-aliado do presidente Recep Tayyip Erdogan que é acusado de ser o mentor do golpe.

As ações se estenderam a 44 empresas supostamente ligadas a Güllen, e 111 mandados de prisão foram emitidos contra executivos dessas companhias. Por outro lado, o premier turco, Binali Yildirim, defendeu um processo justo para o clérigo, num sinal de recuo sobre a possibilidade de restabelecer a pena de morte, como vinha sendo proposto.

De acordo com um documento de 2.527 páginas da promotoria da cidade de Usak, Gülen é acusado de ?tentar destruir a ordem constitucional pela força? e de formar e conduzir grupos terroristas armados. A ata de acusação afirma haver uma ?rede de organizações gulenistas infiltrada nas instituições estatais através de membros que trabalhavam em organismos públicos e de Inteligência?, entre eles militares, agentes da lei e funcionários da educação e da Justiça.

No processo, Gülen e outros suspeitos são acusados de transferir fundos obtidos através de instituições de caridade ou doações para os EUA por meio de empresas de fachada.

Dos 111 executivos detidos, 13 continuam encarcerados e devem enfrentar penas de prisão que vão de dois anos a prisão perpétua, informou a agência estatal Anatolia. As empresas foram acusadas de dar apoio financeiro ao movimento de Gülen ? que mistura instituições de ensino islâmico, empresas, instituições de caridade e ONGs muçulmanas moderadas.

?Processo justo e imparcial?

Desde o golpe fracassado, pelo menos 35 mil pessoas foram presas, e 67 mil retiradas de cargos no funcionalismo público sob acusações de pertencimento à suposta rede terrorista denunciada pelo governo. E Erdogan e o primeiro-ministro Yildirim vêm prometendo ?extirpar pela raiz? o movimento Hizmet, do ex-aliado Gülen, que consideram terrorista.

Mas depois de cogitar o retorno da pena de morte, pedida por apoiadores de Erdogan em comícios após a quartelada, o Executivo suavizou a retórica frente a Gülen. Ontem, membros da Chancelaria revelaram que o ministro Mevlüt Çavusoglu conversou com o secretário de Estado americano, John Kerry, sobre uma possível extradição. Os EUA condicionam a entrega de Gülen à exibição de provas concretas dos crimes pelos quais a Turquia acusa o clérigo.

? Uma pessoa só morre uma vez quando é executada. Existem maneiras de viver que se parecem mais com a morte para esse tipo de pessoa. Não agiremos por vingança ? disse Yildirim em seu discurso semanal aos deputados do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP). ? Gülen irá retornar para a Turquia e prestará contas. Haverá um processo justo e imparcial.

Mas Erdogan, que na semana passada se reaproximou do presidente russo, Vladimir Putin, voltou a provocar os EUA e os demais aliados ocidentais.

? Um mês após o golpe de Estado, nenhum líder ocidental visitou nosso país ? alfinetou.

Ontem, o jornalista Can Dündar abandonou o cargo de editor do jornal independente ?Cumhuriyet? ? um dos principais no país e alvo de intervenção estatal ? e acusou o Judiciário de funcionar a serviço do governo. Ele recorre de uma condenação a cinco anos e dez meses por supostamente revelar segredos de Estado numa reportagem que denunciou a interceptação, na fronteira com a Síria, de armas que iriam para o Estado Islâmico.

?O governo usa o estado de emergência como pretexto para controlar o Judiciário. Confiar em uma Justiça assim é colocar a cabeça de alguém na guilhotina?, escreveu em seu editorial de despedida.

Também ontem, uma corte fechou o jornal pró-curdo ?Ozgur Gundem? por ?propaganda terrorista? e supostos vínculos com grupos rebeldes do Curdistão. Mais de 130 veículos de comunicação foram fechados desde o golpe frustrado.