Esportes

Trunfo da cerimônia foi mostrar protagonistas de suas vidas

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Couberam o mundo e o coração do mundo no Maracanã lotado para a festa de abertura dos Jogos Paralímpicos. Virou piscina, que virou mar, que virou praia; na praia havia banhistas, deitados, dançantes e cadeirantes, vendedores de mate e de biscoito Globo, funkeiros, gente chegando de todos os cantos. Praia é de todos. Houve Arpoador, pôr do sol e o público aplaudiu o pôr do sol, como de costume. Houve roda de samba de primeira, puxada no pandeiro por um menino de óculos, que, de tão empático, já valeu a festa.

Na entrada das delegações, teve muita alegria e vontade de estar aí, entre corpos diversos com suas diversas idades e diversas experiências, debaixo de muitas bandeiras.

Valeu pelas roupas típicas ? em algum caso uma atração à parte, incluindo aí as túnicas cobrindo corpo inteiro e parte da cabeça das atletas de países que as obrigam a isso.

E valeu pela delegação especial de refugiados, carregando com a bandeira suas histórias de superação e solidariedade. Poderia ser maçante, mas a procissão é animada pela estafeta inventada pelo artista Vik Muniz: cada delegação carrega uma peça de um quebra-cabeça que vem sendo montada ao vivo, provocando a curiosidade do público quanto à forma final do desenho.

A obra é pensada de modo a não deixar ninguém de fora: cada peça reúne os retratos dos atletas da delegação, no formato ?credencial?.

Os países entram na ordem alfabética com exceção do Brasil, que entra por último, de modo que a peça brasileira carregada pela Fernanda Lima e, encaixada pelo próprio artista, resolveu a charada: apareceu um coração que pulsou, irradiou sangue e explodiu de flores. Um tanto hippie-trash.

Sendo ainda mais retórica, levada pela emocionante visão aérea do estádio lotado, perto de 50 mil pessoas, eu diria que o Maracanã é o verdadeiro coração pulsante: o público vibra, participa da festa, escuta com atenção, bate palmas, protesta e se manifesta.

O público vaia com intensidade cada citação a governos e governantes. E aplaude de pé a atleta brasileira que, carregando a chama paralímpica, escorregou, levantou e continuou sua jornada. É preciso saber viver.

Entre as muitas imagens projetadas, enganando os olhos e amplificando outros sentidos, fico com o ícone do homem vitruviano recriado em uma ideia de corpo que já não seria o corpo perfeito, desconstruído e multiplicado no caleidoscópio das infinitas variáveis humanas.

Uma festa que precisa chamar a atenção para os desafios dos deficientes escapa de ser um ?sermão de conscientização?, quando mostra como as pessoas se tornaram protagonistas de suas vidas: com apoio e solidariedade, como no caso dos meninos que carregaram a bandeira paralímpica, caminhando literalmente sobre as botas dos seus pais.

* Alessandra Vannucci, italiana, é diretora de teatro e professora da Escola de Comunicação da UFRJ