Cotidiano

Tráfico humano: debate revela desconhecimento sobre assunto

Foz do Iguaçu – Desafios e construção de políticas públicas de combate ao tráfico humano em Foz do Iguaçu e em toda a região da tríplice fronteira ditaram o debate sobre a questão na noite de quarta-feira, na Câmara Municipal.

Alana Lacerda fez um relato na tribuna: “Há 15 anos comecei um trabalho aqui em Foz e me deparei com uma realidade que só conhecia dos filmes, de novelas, que é a realidade do tráfico humano. O tráfico humano existe e está acontecendo embaixo do nosso nariz. Eu sou terapeuta, por formação. Maria, obviamente, é um nome fictício, mas a história dela existe de verdade. Maria era uma criança paraguaia, como existem muitas aqui na fronteira, e ela tinha uma condição de vulnerabilidade muito grande. Quando tinha oito anos de idade ela foi vendida pela própria mãe e colocada dentro de uma caixa para ser enviada à Europa. Chegando à Europa, ela ficou refém de algumas máfias, no caso como o dela existe um prazo de validade: um mês, dois meses. Ela viajou muitos locais da Europa, sem documento, sem identidade, cada vez mais roubada. Com 14 anos um cliente que a ouviu desabafando resolveu ajudar Maria a fugir da Europa e a ser extraditada para seu país. Depois disso, ela veio para o Brasil começar uma nova vida. Ela foi roubada em sua identidade e nunca deixou de se sentir uma mercadoria. Precisamos desenvolver um plano municipal, porque não podemos mais dizer que isso não acontece. Eu estou aqui dando voz e empoderando a Maria porque ela precisa ser ouvida”.

Silvia Xavier coordena o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e reafirmou o posicionamento do órgão nesse sentido: “É prioridade no Ministério da Justiça o tema tráfico de pessoas. Fala-se que é a terceira atividade mais lucrativa do mundo, mas creio que seja a primeira, pois eles roubam sonhos das pessoas. Em julho lançaremos o terceiro plano de enfrentamento ao tráfico de pessoas. Há alguns anos temos tentado agenda com o Município de Foz do Iguaçu, mas somente a partir desta gestão fomos atendidos”.

Dezenas de casos

Silvia Xavier explicou outras situações que caracterizam tráfico humano. “A servidão por dívida também caracteriza tráfico de pessoas. Muitas vezes o marido contrai uma dívida e a mulher acaba pagando a dívida sendo explorada. Aqui, em Foz, tem muito tráfico, temos servidão doméstica, tráfico de bebês. Quando receberem uma vítima de tráfico de pessoas e violência doméstica, que se registre como tráfico de pessoas porque a pena é maior. Tenho 47 casos de crianças desaparecidas na região metropolitana de Curitiba, mas as famílias foram coniventes, então não existe registro sobre isso. Temos de ter muita responsabilidade ao falar sobre isso. É muito importante continuarmos nessa luta”.

O proponente do debate, vereador Celino Fertrin (PDT), destacou que a ideia é “envolver toda a sociedade civil a fim de que se tome conhecimento do problema no Município e na região da tríplice fronteira”.

Rede de enfrentamento

Padre Maurício Camatti, presidente da Cáritas de Foz do Iguaçu, falou do papel da cooperação internacional para combate ao problema do tráfico humano: “Essa audiência é um passo para o caminho que estamos começando a trilhar. A lei municipal é necessária para regularmos algumas questões aqui em Foz. O tráfico humano é uma das formas mais hediondas de violação dos direitos humanos e representa a terceira atividade mais lucrativa do mundo”.

“Temos uma dificuldade grande com crianças que estão nas ruas, com empregadas domésticas. Agora vem se agravando outra vez a questão do trabalho análogo à escravidão. Temos de abrir os olhos, existe um tráfico muito sério em nossa região”, alertou Maria Terezinha Mezzalira, da Casa do Migrante.