Policial

Tráfico de pessoas segue, mas pandemia dificulta denúncias

A pandemia do novo coronavírus agravou ainda mais a situação pessoas vítimas de tráfico humano e de exploração

Tráfico de pessoas segue, mas pandemia dificulta denúncias

Reportagem: Cláudia Neis

Foz do Iguaçu – A pandemia do novo coronavírus agravou ainda mais a situação pessoas vítimas de tráfico humano e de exploração. No Paraná, a coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria Estadual da Justiça, Família e Trabalho, Silvia Cristina Xavier, alerta para a queda nas denúncias. “Com a pandemia, tivemos dois fatores que contribuíram para essa situação. Os órgãos que onde essas vítimas poderiam denunciar ou procurar ajuda estão fechados ou reduziram os horários de atendimento. As denúncias podem ser feitas por telefone, mas, muitas vezes, a vítima não sabe onde procurar ajuda. Mas o que mais impacta é que as vítimas dependem diretamente desses aliciadores e têm ficado dentro de casa nesse período da pandemia, não há como elas denunciarem e ficarem ali no mesmo local”, conta, e acrescenta: “Outra situação são mulheres vítima de violência doméstica e exploração sexual que estão com os exploradores dentro de casa nesse momento. É uma situação muito complicada e alarmante, uma vez que, sem a denúncia formal, tem apenas como encaminhar a vítima para rede de apoio psicológico, para que consiga voltar ao mercado de trabalho, mas não tem como denunciar nem abrir um processo do crime”.

Silvia alerta ainda para o fato de que muitas denúncias feitas pela vítima, ou mesmo por terceiros, tem informações incompletas e falta de detalhes que ajudem na apuração. “É importante frisar que as denúncias são anônimas, mas precisamos que a pessoa se atente a repassar o maior número de detalhes possível. Tanto características sobre o possível explorador como da vítima e o local onde ocorre. Características como cor, altura e até rotina auxiliam muito. Sobre o local, a cor do imóvel e o endereço o mais preciso possível facilitam muito a investigação. Muitas vezes, por conta do medo, o denunciante acaba deixando a denúncia muito simples e não consegue ajudar. É preciso que as denúncias sejam de fato formalizadas para que haja investigação do crime. Se existe alguma suspeita, ligue para o 181, dê o máximo de informações possíveis e, caso haja a suspeita desse tipo de crime, as informações já são enviadas diretamente para o núcleo e a partir daí a investigação pode começar”, ressalta a coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

Tráfico atinge todas as classes

Silvia alerta para o fato de que o tráfico de pessoas atinge todas as classes sociais, uma vez que os aliciadores têm diferentes locais e maneiras de abordar. “Qualquer pessoa pode ser vítima dos aliciadores. A internet é um local de abordagem muito usado para chegar até as vítimas e, muitas vezes, de forma indireta. Atendi a situação de uma mulher, recém-separada, que conheceu um homem na internet e se apaixonou em pouco mais de duas semanas. Ela levou essa pessoa até a casa dela, mas então descobriu que o objetivo do aliciador não era ela, mas seu filho. Ele queria levar o menino para ser jogador de futebol em outro país e ela só descobriu porque, como estava apaixonada, começou a observar mais a rede social dele e foi juntando pistas, até ver que ele tinha o mesmo tipo de abordagem com outras mulheres que também tinham filhos. É preciso ficar muito alerta a essas pessoas que abordam pela internet”, aconselha.

Ela ainda faz uma alerta aos pais para que observem os filhos na utilização da internet: “Os pais precisam lembrar que internet não é lazer. Muitas vezes, o filho diz que está em um jogo com amigos da escola e passa horas ali. Esses locais estão cheios de aliciadores infiltrados, qualquer pessoa pode entrar e se passar por um adolescente. Os pais precisam estar atentos ao que os filhos têm acesso”.

Casos no Paraná

O Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Paraná acompanha atualmente 135 casos e denúncias de tráfico de pessoas: 42 situações de tráfico internacional, 35 de exploração laboral da prostituição, 13 casos de trabalho em condição análoga à escravidão, 29 situações de desaparecimento/tráfico de crianças, cinco situações em que as vítimas são usadas para tráfico de drogas e exploração sexual e ainda 11 situações de adoção ilegal.

A origem ou a localidade das vítimas são: Suriname, Nova Zelândia, Espanha, Portugal, China, México, Peru, Austrália e Paraguai.

O que é tráfico de pessoas?

Outra dificuldade em relação ao crime de tráfico de pessoas é a subnotificação, uma vez que muitos casos não são considerados ainda pela sociedade como crimes de fato.

A legislação brasileira define como tráfico de pessoas toda ação que fere a dignidade, incluindo a exploração sexual e a exploração laboral. “O tráfico de pessoas parece um crime distante da nossa realidade, mas está mais perto do que podemos imaginar. Uma alteração realizada em 2016 no Código Penal Brasileiro tipificou esse tipo de crime. Então, é tráfico de pessoas: agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; submetê-la a qualquer tipo de servidão; adoção ilegal; exploração sexual. A pena para esse tipo de crime é de 4 a 8 anos de prisão, podendo ser agravado caso a pessoa seja retirada do país de origem”, explica a coordenadora da Câmara Técnica de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas de Foz do Iguaçu, Rosane Amadori.

 

Denuncie situações de tráfico de pessoas pelo Disque 100, 180 ou 181. Sua identidade será mantida em total sigilo

 

Trabalho de Conscientização

A Câmara Técnica de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas é composta por um grupo de entidades de Foz do Iguaçu e tem atuação constante na disseminação de informações e no combate a todas as modalidades de crimes que se caracterizam como tráfico de seres humanos.

Por conta da pandemia, as ações presenciais do programas para este ano em escolas e em municípios da região foram adaptadas e transformadas em transmissões ao vivo pelo Instagram. As lives “Tráfico humano: pessoas não são mercadorias” podem ser acessadas no usuário @trafico.pessoas.

A iniciativa também inclui a conscientização de jovens estudantes que estão incluídos na plataforma de transmissão da Câmara. As transmissões são abertas à sociedade e na página há mais informações sobre o crime e o trabalho realizado.