Cotidiano

Traficantes usam rota viciada do contrabando para armas pesadas

Na avaliação das forças de segurança, interceptações são as maiores da história

Alguns sinais iminentes da criminalidade acendem uma nova luz de alerta à segurança pública nacional, que volta seus olhos novamente para o oeste do Paraná.

O crescente número de apreensões de armas e munições em toda a região, principalmente de grosso calibre e de uso restrito das forças de segurança, vindas do Paraguai, resultou em um diagnóstico preocupante: a rota viciada e definida durante décadas pelo contrabando de cigarros, estruturada com olheiros, mulas, batedores e acertos com agentes da segurança, agora serve para outro crime: o tráfico de armas e munições.

Outro aspecto que passa a chamar a atenção é que a rota que antes tinha como ponto de partida o Uruguai e passava por estados como o Rio Grande do Sul pode estar mudando ou simplesmente sendo incrementada pela facilidade de transporte no oeste do Paraná.

Por aqui, as armas e munições passam pelo mesmo caminho dos cigarros – geralmente sem muitos percalços nem muita fiscalização – e seguem para abastecer grandes facções criminosas, sobretudo no eixo Rio de Janeiro/São Paulo.

E se por um lado as apreensões de contrabando estão nos mesmos níveis já registrados nos anos anteriores, a interceptação de armas e munições cresceu, e muito. Os dados oficiais ainda não foram finalizados, mas o serviço de inteligência da Polícia Federal já reconhece que a quantidade desses artigos tirados de circulação neste ano são as maiores da história em todo o oeste. Quanto à PRF, as interceptações de armas e munições simplesmente triplicaram (leia mais ao lado).

Mas se por um lado as apreensões são crescentes, estima-se que a quantidade de produtos que passa seja muito maior. Entre as principais armas interceptadas estão pistolas .40, as de calibre 9mm e, claro, os tão almejados fuzis e uma quantidade exorbitante de projéteis para fuzis.

Fiscalização na fronteira não é prioridade para o governo

O procurador Carlos Bara, do Ministério Público Federal em Cascavel, lembra que, apesar do crescente número de apreensões, elas só não são maiores porque a fiscalização peca pela falta de efetivo de todas as forças de segurança na fronteira. A regra vale para a PRF (Polícia Rodoviária Federal), para a Polícia Federal e para outros órgãos federais com atuação nesse trecho.

“Em um trabalho de controle externo realizado há poucos dias fomos à PRF que reportou esse problema. Na PF também falta efetivo, há casos onde ficam três, dois e até um policial fiscalizando um posto numa área como a nossa, de fronteira. O governo federal diz que não tem dinheiro, o problema é de gestão mesmo, precisa direcionar verba para onde ela efetivamente deve ser aplicada, precisa de mais vontade de fazer o que deve ser feito”, destacou.

Além das estradas, outros problemas mapeados na fiscalização – e que não são de hoje – está na fronteira molhada, no Rio Paraná. “Este problema é identificado em Pato Bragado, em Mercedes, em Quatro Pontes e até em Guaíra mesmo [onde tem uma sede do Núcleo de Polícia Marítima da PF], muita coisa passa por esses municípios e o problema é o grande número de pessoas corrompidas. São muitos olheiros, se a polícia sai da sua base para uma fiscalização, certamente isso é avisado [aos traficantes e aos contrabandistas]. Então a fiscalização no meio da mata e em rio é barulhenta, fácil de ver e de avisar. Muitas pessoas estão cooptadas [pela criminalidade] para avisar sobre as fiscalizações”, denuncia o procurador.

Vant brasileiro encaixotado e argentina montando bases no país vizinho

Se as fiscalizações em terra e no rio pecam pela falta de efetivo e o trabalho massivo da criminalidade bem atuante, o monitoramento aéreo simplesmente não funciona. O Vant (Veículo Aéreo Não Tripulado) adquirido pelo governo federal em 2011 por R$ 7 milhões – e que operou por poucos meses – está parado há quase dois anos.

Desmontado, o Vant está guardado numa base aérea da Polícia Federal no Aeroporto de São Miguel do Iguaçu. Uma equipe trabalha ali apenas na segurança das peças. Oficialmente, o governo não fala sobre a inoperância, mas o problema estaria na falta de dinheiro para manutenção, para pagar as diárias dos agentes e até para abastecer a aeronave.

Ocorre que, segundo a própria Polícia Federal, esta era uma arma imprescindível e extremamente importante no combate à criminalidade em toda a tríplice fronteira. “O Vant nunca levantou voo e não interceptamos nada. Era extremamente importante para monitorar o movimento das quadrilhas na fronteira e dava respostas importantes à inteligência”, destacou um policial federal.

Em setembro, durante uma fiscalização na região, diretores da Fenapef (Federação Nacional dos Policiais Federais) constataram mais uma vez este problema e formalizaram uma denúncia ao TCU (Tribunal de Contas da União). Até o momento o governo federal não se manifestou sobre a situação.

Enquanto o governo brasileiro desassiste essa faixa importante, em um dos trechos mais vulneráveis em 17 mil quilômetros transfronteiriços em todo o Brasil, o governo argentino investe em tecnologia similar. Há poucos dias o governo do país vizinho informou que pretende montar três bases para um Vant, uma delas será em Porto Iguaçu, cidade vizinha a Foz do Iguaçu. O objetivo ali, além de monitorar tráfico e contrabando, é mapear rotas do tráfico internacional de pessoas.

PRF: apreensões triplicaram em 2017

O avanço da criminalidade e a preferência pela rota regional no transporte de armas e munições fizeram com que as apreensões feitas pela Polícia Rodoviária Federal triplicassem neste ano.

Segundo dados da Delegacia Regional com sede em Cascavel, no ano passado 19 armas foram tiradas de circulação. Neste ano já são 72. Enquanto em 2016 foram interceptadas pela PRF 1.507 munições, neste ano já foram 5.823. Crescimento de 280%.

Dentre os registros de apreensões recentes está o realizado no fim de semana pela PRF no posto de fiscalização de Lindoeste. Foram dois fuzis calibre 5,56 milímetros, uma pistola calibre 9 milímetros com seletor para rajada e 960 munições. O arsenal estava em um compartimento oculto, dentro do painel de instrumentos de um Fiat Idea.

Os policiais rodoviários federais abordaram o veículo na BR-163. O motorista, de 29 anos de idade, foi preso em flagrante. Ele transportava ainda cerca de dois quilos de crack.

Do total de 960 munições, 450 unidades eram para fuzil calibre 5,56 milímetros e 510 de calibre 9 milímetros.

Os agentes da PRF encontraram ainda 13 carregadores para fuzil e quatro para pistola.

Um dos aspectos que chamam a atenção é que o preso disse à polícia que saiu de Cascavel e que levaria a carga ilícita até Porto Alegre.

O crime de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito tem pena prevista de três a seis anos de prisão.

Grandes apreensões

Em agosto a PRF apreendeu – numa única ação – 32 pistolas e 3 mil munições na BR-277, próximo a Santa Tereza do Oeste. O armamento estava escondido no tanque de combustível de um veículo de passeio.

De acordo com a PRF, o destino das armas era o Rio de Janeiro. Foram presos pelo crime de tráfico internacional de armas um homem, de 52 anos, e uma mulher, de 42, ambos já estão em liberdade.

A apreensão é considerada a segunda maior realizada pela Polícia Rodoviária neste ano no Paraná. Em junho e julho foram apreendidas 56 pistolas, além de 5,6 mil cartuchos para fuzil.

Segundo o policial rodoviário federal Alysson Vidor, é difícil afirmar, mas este movimento pode ser de reposição de estoques de armas de facções criminosas que estão perdendo poder de fogo nas operações policiais no Rio de Janeiro. “As polícias têm apreendido diversas armas lá. São as facções se fortalecendo devido à guerra entre grupos rivais”, destacou.